sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O namorado

A minha irmã apresentou-nos, pela primeira vez, um namorado: o Carlos.
O Carlos é bonito, alto, simpático, ri-se facilmente, tem uma voz agradável, algo cantante e muito sensual. Anda a estudar medicina e preocupa-se com o meio ambiente e por questões sociais, é muito crítico em relação ao governo...
O meu pai acha-o antipático, com voz efeminada, "não deve ser muito sério, é um fala-barato e pensa que é engraçado e intelectual"...
Como vês, Francisco, o meu pai não morre de amores por ele! Ah, e não faz nada para disfarçar a sua antipatia!
A minha mãe é especial, já sabes, nunca critica à nossa frente, não diz nem mal nem bem. Sorri à minha irmã, quando ela lhe pergunta o que acha do namorado! Mas, eu ouvia-a dizer ao meu pai que a forma de incentivar e incendiar o namoro da minha mana é mostrarem-se completamente contra e dizerem mal do actual namorado ou de qualquer namorado que ela arranje... O meu pai não concordou, claro!
A minha irmã está e não está apaixonada!
Não me percebes? Eu explico-te, Francisco!
Eu penso que a Francisca está deslumbrada, o Carlos é um rapaz muito bonito, é interessante, bem-humorado, inteligente... Um bocadinho convencido, para o meu gosto! Devias ouvi-lo a falar da família, da quinta que têm no Cartaxo, nos cavalos, na tia, na mãe, no pai que é um grande cavaleiro... Ao almoço, fartou-se de falar de si, da sua família, dos seus projectos, do que gostava, do que não gostava... 
A minha irmã, no início da conversa, sorria, mas, depressa, começou a ficar incomodada, eu bem vi os olhos dela a piscarem aflitos... Começou a dizer-lhe que comesse, que a comida ia esfriar e ele sorria-lhe, punha a mão em cima da dela e continuava a falar...
Não creio que este namoro dure muito, a não ser que o meu pai critique, critique e critique... A Francisca é muito teimosa e orgulhosa e se o meu pai insistir para que ela "mande às favas" o Carlos, ela vai fazer precisamente o contrário.
Ela não gostou nada das gabarolices, eu vi que não, foi como se algo se quebrasse.
Ao jantar, no dia anterior, ele tinha sido simpático, contido, falou pouco, respondeu somente a algumas perguntas e trocou vários olhares cúmplices com a minha irmã... 
Ah, achei graça, quando ele disse como imaginava a sua futura mulher! Repara, será amiga, submissa, apaziguadora, trabalhadora, sorridente, sempre bonita e disponível para ele... Que quando se casasse seria para sempre e que casaria para ter uma vida melhor e não pior do que a que tinha...
Eu acho que abri muito os olhos e a boca, porque a minha mãe sorriu, deu-me uma cotovelada e empurrou-me o queixo para cima.
A verdade é que dei comigo a pensar, esta não é a Francisca, ele está completamente enganado, coitado! Não estou nada a ver a minha irmã submissa e sempre disponível para ele... Hum, ele não está mesmo a ver o calibre da minha linda maninha! 
Vamos ver como corre este namoro, mas quer-me parecer que não dura até à Páscoa.
Na segunda-feira de manhã, regressaram a Lisboa, mas, ou eu me engano muito ou a Francisca não ia tão decidida e convicta em relação ao Carlos como quando chegou.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

É aos dezoito anos que chega a liberdade!?...


Francisco, quando a minha irmã fez dezoito anos, houve uma discussão cá em casa que nem te passa pela cabeça. A minha irmã manteve-se calada ontem, por causa dessa briga. Tu bem viste que só os olhos dela, aflitos e suplicantes, falavam, gritavam desesperados!
Ainda me lembro de tudo como se tivesse acontecido há dois ou três dias.
- Tenho dezoito anos, tenho o direito de viver a minha vida como muito bem entender – disse a Francisca altiva.
- E vais viver de quê? – perguntou-lhe a minha mãe, mais curiosa do que preocupada.
E eu ia pensando: ai se o pai chega agora!
É que o meu pai quer sempre tudo muito bem explicadinho!... Ou então, não!... Parecia já estar a ouvi-lo: ó minha amiguinha, enquanto viveres debaixo deste tecto, fazes o que eu mando...
E o meu receio concretizou-se, o meu pai chegou logo e nós nem demos por ele, deve ter entrado pela garagem. E foi logo dizendo da sua justiça, sem esperar, ao menos, que o puséssemos ao corrente da situação. Só me lembro da sua voz de trovão atrás de mim:
- Filha minha não sai de casa sem a minha autorização. Ah, mas se saíres por aquela porta, menina, não voltas a entrar, ouviste bem?
Sobressaltámo-nos, a minha irmã quase deu um pulo, mas recompôs-se logo,  encolhendo os ombros, como que a dizer, fala, fala, vai falando...
Desde que a Francisca fez os seus dezoito anos que o ar estava pesado, irrespirável, as discussões sucediam-se... Porquê? Não sei. Ela andava sempre a dizer que aos dezoito é que era, aos dezoito é que chegava a liberdade, aos dezoito é que se dava o seu 25 de Abril... E os meus pais sorriam: o pai trocista, a mãe comedida.
A minha irmã achava que tinha chegado a hora de levantar voo, de ser livre, e sentia que lhe queriam cortar as asas.
Como fomos todas apanhadas desprevenidas, a minha mãe e a Francisca calaram-se. Aí, o Sr. raiz quadrada não se conteve e atacou a Sra. Interjeição:
- Fala, grita, esperneia... Que raio de mãe me saíste também! Anda um homem a educar uma filha para isto?
- Para isto o quê? – perguntava a Francisca, meio espantada com o rumo da conversa.
Eu olhava para os três, sem perceber. Afinal, a minha irmã não disse que ia sair de casa, mas o meu pai deve ter percebido que ela queria partir... Sei lá! Sei que se gerou uma confusão de todo o tamanho, a discussão entre o meu pai e a minha irmã.
A minha mãe para pôr um ponto final na conversa deles, falou baixinho (uma técnica que usa nas aulas, quando quer transmitir algo, mas os alunos estão todos a falar!):
- Muito bem, mantive-me calada e ouvi o que um e outro disseram. Agora chegou a minha vez de falar...
- Também, já não era sem tempo! Agora vê lá se, pelo menos uma vez, ficas do meu lado e pões algum juizinho na cabeça da tua filha.
- Amanhã, Francisca, amanhã, quero conversar contigo. Hoje estamos todos muito exaltados...
- Tenho de esperar até amanhã para saber o que de tão importante tens para me dizer? Ó mãe, não acredito que ainda vais remoer o assunto esta noite e só amanhã é que me dizes alguma coisa.
- Olha lá, a miúda tem razão!
- Não me chames miúda, tu sabes que eu detesto que me chames miúda, garota, criança...
- Pois, já sei que és crescida e responsável, responsável e crescida, muito crescida e muito responsável...
O dia amanheceu cinzento, mas o sol tinha de brilhar. A minha mãe tinha de falar com a Francisca. Não dormi a noite inteira. Virei-me e revirei-me. Pensei e repensei. Parecia que era eu que tinha de meter juízo na cabeça da Francisca. Ela era tão teimosa como o pai, e a mãe sabia-o, oh, se sabia, sabia também que à menor dificuldade, a sua linda filhinha correria para debaixo das suas asas... Aliás, tinha a certeza disso, por isso, para quê entrar em conflito, barafustar, gritar, agitar as águas já tão turvas... Mas, lá no fundo, muito lá no fundo, eu tinha medo... e a minha mãe também, de certeza.
- Mãe, desembucha, não tenho a vida toda! - impacientava-se a Francisca.
- Pois não, e os dezoito anos esgotam-se, voam, esfumam-se num piscar de olhos, não é? Só tenho duas questões a pôr-te.
Olharam-se, a minha maninha tremeu ligeiramente e pestanejou nervosa.
- Quero apenas saber o que é para ti ter dezoito anos e como pensas então viver essa liberdade que dizes ter a partir desta linda idade? Quando tiveres a resposta, diz-me. Ah! E ao contrário do que pensas, tens todo o tempo do mundo para pensares na resposta...
- Ó mãe, mas eu não quero sair de casa, o pai é que começou com aqueles disparates todos...
- Eu sei, fofinha, eu até sei bem o que queres e o que não queres! Eu conheço-te bem! Mas, apesar disso,  preciso que sejas tu a dizer-mo!
A minha mãe dirigiu-se para o escritório, onde a esperava uma resma de testes para corrigir, ouvi os passos da minha irmã escada acima e à hora do jantar estávamos todos à mesa, como sempre, sorridentes, a contar como nos correra o dia e a dizer um monte de disparates. A borrasca passou. Não se falou mais no assunto!
O que é que a Francisca respondeu à minha mãe? Não sei! Conversaram no jardim, sentadas lado a lado, vi-as da varanda, mas não consegui ouvir a conversa, ouvi-as rir e, nessa altura, fui ter com elas. Sentei-me ao colo da minha mãe, abracei-a e à minha maninha... Ficámos abraçadas as três a rir e a dizer parvoeiras até cairmos do banco para a relva. O meu pai chegou e disse, é assim que gosto de ver as minhas meninas!


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

E a tempestade caiu violenta!

A Francisca chegou, seguida pelo meu pai e por um rapaz alto, de cabelos castanhos e olhos cor de avelã. Ao abrir a porta, vi logo uma quantidade de nuvens negras a pairar sobre a cabeça da minha irmã. O meu pai estava cá com uma cara! Parecia que estava zangado com o mundo inteiro! O rapaz alto queria mostrar que estava tudo bem, mas, lá no fundo, lá bem no fundo, não estava nada a correr bem. Ele bem tentava sorrir e aparentar uma serenidade que estava longe, muito longe, bem longe de existir... O sorriso saía-lhe meio atravessado da boca carnuda e bem desenhada... A minha mãe surgiu da cozinha com o seu sorriso generoso e bonito, mas, ao olhar aquele quadro, o sorriso caiu e escaqueirou-se em mil pedaços na tijoleira da entrada. Vai ser difícil juntar os cacos e colá-los, pensei.
Tentei acalmar o clima tempestuoso:
- Mana, fizeste boa viagem?
A voz do meu pai surgiu como o rugir de um trovão, elevado ao quadrado:
- Ela fez boa viagem, sim. Mas a viagem,  aqui, do rapazinho ainda não terminou...
A minha irmã parecia que ia explodir a qualquer momento, os olhos, muito brilhantes, queriam saltar-lhe das órbitas, da cara. As lágrimas pareciam estar ali mesmo à espreita, prontas para desabarem em cascata... O rapaz, de nariz empinado, continuava com as malas na mão... A minha mãe não estava a perceber nada e eu também não!
- Mas, o Carlos não vinha passar cá o fim-de-semana? - perguntou a minha mãe, tranquilamente, com aquela voz melodiosa, capaz de aplacar qualquer procela.
- Vinha... dizes bem! Vinha, pretérito imperfeito, tão imperfeito como ele... - explodiu o meu pai, furioso.
- Que aconteceu? Será que me podem explicar o que se está a passar ou o que se passou no trajecto do carro para casa, nesses escassos 10 metros? - pediu a minha mãe.
- O que se passa é a pouca educação que dás às tuas filhas. É isso que se passa, nem mais, nem menos...
Eu já sabia que o meu pai ia culpar a minha mãe!
Quando temos boas notas, as minhas filhas são a minha alegria, o meu orgulho; quando alguém nos enaltece ou lhe fala da nossa educação exemplar, as minhas filhas têm princípios, valores, berço... Quando algo não corre como o senhor números primos e compostos, raízes quadradas, equações de vários graus... acha que deveria correr, somos filhas da minha mãe. 
Bem, eu até prefiro ser parecida com a minha mãe e a Francisca, de certeza, que também prefere!
E sabes o que aconteceu, afinal, Francisco? 
A minha irmã vinha a caminho de casa, já ali na subida. O Carlos trouxe o carro dele, o da minha irmã ficou em Lisboa, era ele quem vinha a conduzir. Pararam e estavam a beijar-se, quando o meu pai passou por eles. O Sr. equações diferenciais fez marcha atrás, estacionou ao lado do carro deles e fez uma cena: mandou a minha irmã sair do carro e entrar no dele e ao Carlos disse que desse meia-volta e desaparecesse...
O rapaz ignorou e seguiu o meu pai até aqui, é que a mala da Francisca tinha ficado no carro dele. Ele não podia levar a mala, está bem de ver...
- Só fazem figurinhas tristes no meio da rua - dizia o meu pai. - E que raio de educação deste às tuas filhas? - acusava a minha mãe. 
- Estás a fazer essa tempestade toda por causa de uns beijinhos dentro do carro? - perguntou a minha mãe, a rir.
- Eu sou a única pessoa com bom-senso nesta casa? Só falta achares bem que durmam na mesma cama, no mesmo quarto... - atirava o meu pai.
- Ora bem, Carlos, traz a tua mala, vou mostrar-te o teu quarto...
O Carlos seguiu a minha mãe, a Francisca pegou na mala dela e subiu a escada em direcção ao seu quarto. O meu pai ficou no meio da sala a vociferar...
A Sra. eufemismo esteve a suavizar  o Sr. raíz cúbica e, passado algum tempo, tudo estava, na paz de Deus, a jantar e a conversar como se nada se tivesse passado.
O que é que a minha mãe falou com o meu pai? Pois, Francisco, não faço a menor ideia, mas é sempre assim, ela consegue sempre amaciar o  meu pai: deve ser a subjetcividade feminina a cair implacável sobre o concreto, o real masculino.
Francisco, depois, conto-te o que achei do Carlos, o namorado da minha mana.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A Francisca está apaixonada!

Recebi um telefonema da Francisca: olha diz à mãe que no próximo fim-de-semana levo um amigo... 
- Trazes um amigo para passar cá o fim-de-semana? - perguntei admirada.
- Qual é o espanto? - tornou ela, já com a pimenta, a mostarda, o gengibre, as especiarias todas a chegarem-lhe ao nariz.
- Está bem, eu digo, não, não me esqueço!
Francisco, a minha irmã nunca trouxe um único amigo para passar um dia cá em casa, quanto mais um fim-de-semana! Se ela vai trazer um agora, é porque ele é importante para ela, deve estar apaixonada! Ela nunca nos apresentou um único namorado... 
Ó Francisco, claro que ela teve namorados, só estou a constatar que não eram importantes, nunca quis que os conhecêssemos... Talvez não sentisse amor por nenhum como por este... Sei lá!
A minha irmã é uma miúda toda gira, eu bem vejo os olhares que os rapazes lhe atiram, quando saímos, portanto teve milhares de namorados com certeza ou pelo menos rapazes que gostavam dela... O estranho é ela agora trazer um "amigo" sem ter dito nada a ninguém... Nunca nos falou de ninguém em especial!
O meu pai não vai achar graça nenhuma, eu já o conheço, vai haver tempestade a partir de sexta-feira à noite... 
Estás parvo, Francisco, sei lá se vai chover e trovejar no fim-de-semana, vai haver tempestade cá em casa...
Olha, repara bem, aqui há tempo, num Sábado, os meus pais tinham ido às compras. Tocaram à campainha. Fui abrir. Deparei-me com um "cãozinho abandonado" que queria falar com a Francisca.  Disse-lhe que se sentasse num dos bancos do jardim...
Eu sei que os cães não falam, Francisco, tu só podes estar a brincar comigo. Era um rapaz. Ri-te, ri-te! 
Já não te conto mais nada! As desculpas não se pedem, evitam-se, meu caro amigo!
A minha irmã estava a dormir. Ao subir a escada para a ir chamar ia a rezar a todos os santinhos para que ela não tivesse botas, livros grossos ou objectos pesados perto dela, à mão de semear... Bati de mansinho e chamei:
- Mana, está ali um rapaz que quer falar contigo. Está com cara de cãozinho abandonado!
- Quem?
- Como se chama? Não perguntei! Está sentado à porta, à tua espera... Mando-o embora! Nem penses, vai lá tu dizer-lhe que se vá...
A Francisca levantou-se contrariada, abanou a cabeça para espalhar os cabelos dourados por cima dos ombros, enfiou-se na casa de banho. Saiu. Vestiu o robe florido por cima da camisa cor-de-rosa de renda, escolheu uns chinelos de salto alto, lindíssimos, brancos e rosa (as lojas que ela fez os meus pais correrem para encontrar aqueles chinelinhos! Encontrámo-los no Porto!). Olhou-se ao espelho, sorriu, passou batom nos lábios e ajeitou de novo os caracóis... Olhou para mim, piscou-me o olho, e perguntou:
- Ainda aí estás? Que tal estou?
- Linda. Vais a alguma festa?
Atirou-me um olhar verde furibundo e desceu as escadas, parecia flutuar... Eu segui atrás dela, parecia a rainha e a ama...
Abriu a porta, olhou para o lado.
- Francisca, queria tanto ver-te, quero falar com os teus pais... - balbuciava o rapaz todo enfiado. Parecia tão pequeno, ínfimo ao pé da minha irmã.
- Queres o quê? - perguntou rispidamente, sem pestanejar, a minha irmã, muito direita.
Não o deixou falar mais, que desaparecesse:
- Falar com os meus pais? Por alma de quem e para quê? Pensavas que éramos namorados? Acredito que sim, mas não somos, nunca fomos, aliás... 
Apontou-lhe o portão, sem deixar de falar, o rapaz parecia um boneco sem reacção, muito vermelho. Saiu e ficou parado do outro lado a olhar para nós, eu estava com pena dele! Agora, sim, tinha mesmo o aspecto de um animal abandonado, escorraçado até...
- Eu nunca fui tua namorada, alguma vez falámos nisso? Não, pois não? Então, desaparece! 
Voltou costas ao rapaz e eu segui atrás dela para casa.
- Olha-me esta - dizia ela - nunca falou comigo sobre namoro, nunca lhe disse que gostava dele e agora aparece para falar com os meus pais. É doido! 
- Coitado, Francisca, ele deve gostar mesmo de ti, veio de Lisboa de propósito...
- Queres parar com isso! Tens pena dele? Vai lá e oferece-te para namorada dele, até és parecida comigo, ele só tem de esperar que cresças mais um bocadinho, ainda és muito novinha...
Fiquei a olhar para ela com uns olhos enormes e ela:
- És uma tontinha pequenina! Vem cá, vamos conversar.
Sentámo-nos na cama dela e foi onde os nossos pais nos encontraram, quando chegaram.
Não, Francisco, os meus pais nunca souberam do "cãozinho abandonado", não é "amestrado", tonto!
Pois é, cá para mim, a Francisca está apaixonada!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Parecia que o tempo não tinha passado!

O tio da Joana veio trazê-la cá a casa. A minha mãe abriu a porta, quando eu vinha a descer as escadas a toda a velocidade... O sr. Manuel trazia uma mochila na mão e a Joana um casaco e a mala a tiracolo. Subimos as duas as escadas a correr, enfiámo-nos no meu quarto, atirámos os sapatos para um canto e sentámo-nos na cama, de pernas cruzadas, viradas uma para a outra, como fazíamos antes... Olhámo-nos e desatámos a rir... Parecia que o tempo não tinha passado... Ali estávamos a rir como loucas sem ter de quê!... Demos as mãos e começámos a soletrar uma canção que nos tinham ensinado na escola e que cantámos as duas muitas vezes nas festas da escola... Começámos a cantar muito afinadinhas e, depois, de repente, desatámos a gritar e a desafinar e a rir que nem umas perdidas...
Bateram à porta, a minha mãe abriu, espreitou e disse:
- Joana, o teu tio veio entregar-te a mochila e despedir-se!
Saltámos da cama e despedimo-nos do senhor Manuel que sorridente atirou um portem-se bem...
A minha mãe disse que ia preparar um lanchinho e fechou a porta. Fechada a porta, voltámos a sentar-nos, frente a frente, em cima da cama, a rir. 
- Conta-me tudo! - pedi à Joana.
- Adoro o Alentejo, Évora é uma cidade linda! Tu sabes, já lá tínhamos ido nas visitas do Clube do Património...
- E o Miguel? Tens uma fotografia para eu ver? Vá lá, vá lá, mostra-me... Que giro! Ele é mesmo "muita" giro, Joana! Como o conheceste, conta tudo, tudo, quero saber tudinhooooo...
- Ora bem, Rita, ele anda na minha escola, a Elsa é minha colega e prima do Miguel, apresentou-nos... Um dia, ia à consulta do psicólogo e a Elsa e o Miguel acompanharam-me, fomos a conversar todo o caminho, o Miguel também tinha andado numas consultas de psicologia, por causa de uns problemas com o padrasto... Depois, a Elsa começou a dar desculpas que não podia ir, que o Miguel me acompanhava, eu dizia que não era preciso, que sabia ir sozinha, ele que não, ela que o primo tinha razão em não me deixar ir sozinha...
- E depois? Avança mais um bocadinho... Olha, já pareço o Francisco que é muito impaciente e quer logo saber os "finalmente"...
- O Francisco? Quem é o Francisco? É o teu namorado, Joana? 
- Não, não! Continua tu, depois falo-te do Francisco...
- Meninas, venham lanchar! - chamou a minha irmã.
O lanche foi animado, a minha mãe fez crepes e chocolate quente. A Francisca estava bem-disposta e nem estava a praguejar contra o mestrado, nem contra os trabalhos que tem de fazer, nem contra os livros que tem para ler... O meu pai estava contente por rever a Joana e claro que lhe perguntou como ia a Matemática e os estudos... Depois do lanchinho ajudámos a arrumar a cozinha e fomos ver um filme todos, em família. Depois, jantámos...
De volta ao quarto e advertidas de que a noite era para dormir... Voltámos à nossa conversa.
- Rita, o Miguel também passou muito com o padrasto, ele batia-lhe e à mãe e ao irmão e até à avó, uma senhora idosa e incapacitada, desloca-se numa cadeira de rodas. A mãe quis separar-se por diversas vezes, mas ele ia sempre atrás dela e dos filhos e ameaçava-os e agredia-os... Era uma vida de medo! O Miguel decidiu ir à polícia fazer queixa do padrasto, a situação ainda se arrastou durante um tempo, tribunal para cá, tribunal para lá... Mas, entretanto, tudo se resolveu e a mãe conseguiu a separação... O Miguel contou-me toda a sua história, tem umas cicatrizes num braço que o padrasto lhe fez com um cinto: ele para defender o irmão e a avó, pôs-se à frente e o homem totalmente enraivecido, bateu-lhe tanto que a fivela o deixou cheio de golpes e a sangrar... Algumas feridas eram bem profundas e ele ficou com algumas cicatrizes.
- Bem, coitado! Ele há gentinha tão má!
- Pois há, Rita, e o mais triste é que aqueles que nos deviam defender, são os que muitas vezes nos fazem mal!
- Pronto, Joana, não penses nisso, já passou!
- Ainda não passou e não sei se alguma vez vai passar... Mas, passando à frente!... Um dia, o Miguel disse que gostava de mim e eu achei que lhe devia contar a razão das consultas de psicologia. Ele disse que não tinha de contar nada, mas eu insisti... Sabes, Joana, eu gosto do Miguel, gosto mesmo muito!... Não queria que a nossa relação fosse edificada sobre mentiras, dúvidas, mal-entendidos, palavras por dizer... Por isso, contei-lhe tudo! Depois, perguntei-lhe se ainda gostava de mim e ele beijou-me tão ternamente, parecia que tinha medo de me quebrar... Foi lindo!
- Vamos dormir, Joana?
- E o Francisco?
- Ah! O Francisco é o meu diário. 
- Sério, Rita, sempre levaste essa coisa do diário para a frente? E o teu diário tem nome? Gosto do nome do teu amigo diário!
- Vou apagar a luz! Dorme bem, Joana!



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A visita da Joana

A funcionária bateu à porta, entreabriu-a e espreitou. Fez sinal à professora que respondeu afirmativamente àquele apelo mudo... E eis que surge, por detrás da Teté, uma Joana sorridente e feliz... E eu que cada vez que me lembrava dela, só a recordava  chorosa, com os olhos muito vermelhos e brilhantes a suplicar ajuda e sempre prestes a saltarem-lhe das órbitas!... Foi estranho! Foi como se o tempo tivesse parado algures, antes da violação... 
Francisco, dei comigo a pensar, olha a Joana atrasou-se, não ouviu o despertador e levantou-se somente quando recebeu a minha mensagem: "Joana, onde estás, já cheguei à escola!". Era sempre assim, se não nos encontrássemos logo, a primeira a chegar enviava logo uma mensagem.
Ficámos mudos a olhar, em silêncio, e foi a professora que nos acordou:
- Então, não dão as boas-vindas à Joana, não estão contentes com a sua visita.
Levantámo-nos todos, rodeámos a nossa amiga e foi uma catadupa de perguntas, de beijos e de abraços...
Tocou para a saída, convidámos a professora e fomos todos para o bar. Outros professores, ao reconhecerem a Joana, juntaram-se-nos e choviam perguntas de todo o lado, a Joana sorria e ia respondendo conforme podia àquela avalancha de questões. Eu não conseguia tirar os olhos da Joana, parecia de novo a minha amiga do Jardim de Infância, a minha coleguinha de carteira do primeiro ciclo,  a minha velha companheira de jogos e de passeios... Tinha os olhos azuis de sempre, meigos, doces, sem raios vermelhos... e o mesmo sorriso aberto e dava as mesmas gargalhadas contagiantes...
O pai da Joana continua preso, violara todos os irmãos e irmãs da Joana, só escaparam a Maria e a Sofia. A Joana tem uma quantidade de irmãos, filhos de várias mulheres... Os irmãos da Joana acabaram por ir depor em tribunal contra o pai e pasme-se, Francisco, até a mãe da Joana e as várias companheiras do pai o fizeram...
A Joana foi viver com uns tios para o Alentejo, tem um namorado, o Miguel, e diz que está muito feliz, teve ajuda psicológica e fez-lhe muito bem ter-se afastado da mãe. Os tios não têm filhos e tratam-na como se fosse filha deles. A Maria e a Sofia vivem com a mãe e estão bem. 
A Joana veio com os tios, vai passar cá este fim-de-semana. Estão num hotel. A Joana vem passar o Sábado comigo, dorme cá e depois os tios vêm buscá-la no Domingo à tardinha e regressarão ao Alentejo.
Vai ser tão giro estar de novo com a Joana, Francisco!

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Passados quase dois anos...

Há quase dois anos que não via a Joana, desde que saiu daqui para ir morar com uns tios no Alentejo... Lembras-te da história da Joana, Francisco, dos meus pesadelos?
Eu sei, eu sei que te disse que nunca mais queria tocar nesse assunto, mas hoje a Joana apareceu lá na escola...
Eu sei, Francisco, que nunca te disse o que aconteceu depois de ter contado à minha mãe o problema da Joana, tu sabes bem que eu vivia amedrontada com aqueles pesadelos horríveis e o que eu queria mais era esquecer, esquecer até, vê lá tu, que tinha uma amiga chamada Joana... E tu sabes que nós éramos amigas desde o Jardim de Infância...
Contei à minha mãe a triste história da Joana e a minha mãe teve uma conversa a sós com a minha amiga. Lembras-te bem que a Joana não queria contar a ninguém, só eu é que sabia! Foi um peso enorme ter de carregar com o segredo dela! Mas, felizmente, já passou!
Sei que a minha mãe conseguiu, a custo,  convencer a Joana a ir à polícia.
Como é que convenceu a Joana? Ora, Francisco, foi bem complicado, porque ela tinha medo que a mãe a pusesse fora de casa, pois a mãe disse-lhe que se tivesse de escolher entre a filha e o marido, escolheria o marido... A Joana ficou destroçada, ela não queria viver na mesma casa que o pai, ela tinha medo que, quando a mãe estivesse no turno da noite, ele a fosse buscar à cama dela...
Espera, não sejas apressado, eu conto-te como é que a minha mãe a convenceu!
A Joana tem uma irmã mais velha que foi aluna da minha mãe e desconfiou-se, na altura, que o pai a tivesse violado... Além da Nádia, a irmã mais velha da Joana, havia ainda a Maria e a Sofia, as irmãs mais novinhas. A minha mãe perguntou à Joana sobre a irmã e ela confirmou, a Nádia também tinha sido violada...
Ficaste branco, Francisco, é melhor não te contar mais nada!... Queres saber o resto, tens a certeza? Pronto, eu conto, eu conto! A minha mãe disse à Joana que se ela não travasse naquele momento o pai, a seguir seriam as irmãs mais novas a sofrer o que ela e a Nádia tinham sofrido e foi aí que a Joana tomou a decisão de ir à polícia. A minha mãe aconselhou-a a ter uma conversa muito séria com a mãe, se a mãe não acatasse a sua decisão, a minha mãe acompanhá-la-ia à polícia...
Olha, Francisco, vou jantar, amanhã conto-te o resto, já estão todos à mesa e já sabes que o jantar, cá em casa, é uma refeição sagrada, o meu pai quer toda a família reunida... É a hora de conversarmos sobre o que se passou durante o dia, já sabes como é!

domingo, 25 de novembro de 2012

Abra o estore!

A minha turma não tem emenda, Francisco, é uma atrás da outra, a Directora de Turma farta-se de ralhar, mas nada parece dar resultado. Lembras-te de te ter contado aquela cena das bebedeiras? Depois desse episódio, dos ralhetes que eles ouviram da DT e do Director, eu pensei que nunca mais ninguém se iria meter nos copos... Enganei-me redondamente! 
Vou contar-te:
O Fábio namorava com a Maria, mas zangavam-se muitas vezes e faziam as pazes outras tantas... Ultimamente, andavam mais de candeias às avessas, como diz a minha avó... 
A Maria teve uma discussão séria com o Fábio, foi uma gritaria, chegaram a agredir-se fisicamente e foi o professor de Matemática que os separou, pois esta cena feia aconteceu antes da sua aula. A Maria já andava a dizer há muito tempo que tinha de acabar tudo com o Fábio, mas ia adiando, adiando, adiando... Naquele dia, depois daquela triste zanga, no intervalo grande, no bar, ela virou-se para ele e disse-lhe: 
- Não dá mais, acabou-se! Não quero mais nada contigo! Vais à tua vida e eu vou à minha!
Virou costas e deixou o Fábio com uma cara, com uns olhos que metiam medo...
Fomos para as aulas seguintes, mas ele faltou...
Terminadas as aulas da manhã, fomos almoçar todos com a DT e uma ex-professora nossa, como estava combinado, mas ele não apareceu. 
O almoço foi muito giro, matámos saudades da nossa ex-professora, rimos bastante e até a Maria se divertiu...
Regressámos à escola para as aulas da tarde. Vimos o Fábio de relance a fumar... Faltou aos primeiros dois tempos... A seguir ao intervalo grande, na aula de Português, já a aula estava a decorrer, entra o Fábio, completamente fora de si, queria falar com a Maria. A professora mandou-o sentar-se, mas ele, cambaleante, recusou. Começou a dizer que se sentia mal e que precisava de ir apanhar ar, a professora deixou-o ir lá fora... Da janela, vimo-lo a fumar e advertimos a professora que mandou logo o funcionário ir buscá-lo... Chegou à aula, acompanhado pelo funcionário, e sentou-se. O funcionário  disse algo baixinho à professora e saiu. O Fábio começou a dizer que queria ir para a janela, que precisava de ar, que não estava bem... A professora sentou-o na carteira à frente dela, mas disse-lhe que não abriria o estore... Ele começou a insistir com a professora:
- Abra o estore, já lhe pedi que abrisse o estore...
A professora recusou sempre, porque se não ninguém conseguia ver o que estava registado no quadro...
Aí, ele começou a dizer que se queria atirar pela janela e que queria o estore aberto. A professora a dizer que não, que ficasse quieto no lugar ou teria de chamar alguém para o levar dali... Ele levantou-se e pediu aos colegas que estavam ao pé da outra janela que saíssem... Essa janela estava meio aberta e, como os colegas não saíram, ele atirou-se por cima das mesas... A professora pediu rapidamente que baixassem o estore e o Fábio ainda ficou com os braços entalados... 
A Delegada de Turma, a pedido da professora, foi chamar alguém da Direcção e o tempo parecia que nunca mais passava... Estávamos todos incrédulos a olhar, ora para o Fábio, ora para a professora que estava branca como a cal... O Fábio gritava que se queria matar... 
Por fim, chegou o Director que o levou dali! 
O Fábio estava bêbado e tinha andado a fumar tudo, menos tabaco... Aquela mistura explosiva não deu bom resultado, como se viu!
O Fábio não gosta da Maria, aquilo não é amor, é obsessão!
À conta deste episódio e de outros, vamos ter umas aulas com um psicólogo...

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Educação sexual

Olá Francisco!
Hoje, na aula de Ciências, a professora passou-se com alguns meninos que se armaram em parvinhos. A professora estava a falar sobre os métodos anticoncepcionais, nomeadamente, o preservativo e eles começaram a gozar e a atirar bocas "foleiras": que já sabiam tudo o que havia para saber, que estavam mais do que informados, que a professora queria ensinar a missa ao padre....
A professora, depois de os colocar no lugar, pediu a um que exemplificasse e nos explicasse  como colocar o preservativo. 
O Ruben, que primeiro sabia tudo, corou até às orelhas e disse que não queria exemplificar nada e gaguejava imenso, muito vermelho... 
A professora colocou todo o material em cima da mesa dele e disse, aqui tens tudo o que precisas...  
Ele olhava para a professora e para nós, sem tocar em nada... Por fim, a professora, já irritada, colocou-lhe o preservativo na mão e disse, não temos o dia todo, portanto despacha-te! Ele começou a desenrolar o preservativo e nós começámos todos a rir, quando ele no-lo apresentou todo esticadinho... A professora perguntou-lhe, então é assim que fazes? O Bernardo, antes que as coisas começassem a ficar mais azedas, pediu para fazer ele a demonstração e a professora concordou: o Bernardo começou por dizer que o Ruben tinha feito mal, que o preservativo ia-se desenrolando no membro erecto...
Estava toda a gente atenta à explicação menos os parvinhos do costume que continuavam com piadinhas e risinhos idiotas. Então, o Bernardo pediu à professora para fazer umas perguntas aos colegas sobre os benefícios do uso do preservativo e o Gonçalo, armado em esperto, disse logo que tinha mais desvantagens do que vantagens e que nunca usaria tal coisa,  a namorada que se preocupasse com isso, porque ele de certeza nunca engravidaria. 
Levantou-se um burburinho na sala... Bem, Francisco, tu não estás bem a ver! 
A Sónia, a namorada do Gonçalo, ficou vermelha e completamente fora de si, começou a ralhar com ele quase aos gritos... A professora tentou acalmar os ânimos e começou a falar em doenças sexualmente transmissíveis e a mostrar imagens horrorosas... Falou. falou, falou, quase sempre a olhar para o Gonçalo e depois perguntou-lhe: 
- Ainda achas que o uso do preservativo é uma treta e só tem desvantagens?
Ele baixou os olhos, envergonhadíssimo, e não disse nada...

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O dia em que vi a minha mãe com os meus olhos!


Francisco, hoje a minha mãe está tão FELIZ!... Ficámos todos felicíssimos com a alegria dela! 
Sabes, quando andamos à espera que uma coisa boa aconteça na nossa vida e esperamos, esperamos, esperamos... e deixamos quase de esperar... e pensamos que não vai mais surgir... e, de repente, quando já não esperamos, acontece... Foi mais ou menos uma coisa assim que aconteceu com a minha mãe!
A minha mãe adora ser professora, gosta dos alunos quase como se fossem da sua família... Vibra com os seus sucessos, entristece-se com as suas derrotas... Acarinha-os, quando precisam de um ombro amigo; guarda segredo se eles lhe pedem; dá conselhos; ri-se com eles; dá-lhe nas orelhas, quando é preciso; zanga-se, mas logo esquece e, como ela lhes diz: "A nossa relação é como a dos namorados, portanto vamos começar tudo de novo, tudo o que ficou para trás é para apagar, águas passadas não movem moinhos!" Tu até sabes que ela tem uma relação óptima com os alunos e eles sabem que podem contar sempre com ela!
Queres que eu passe logo aos finalmente, estás impaciente, Francisco, eu sei bem que estás!
A minha mãe tinha uma Direcção de Turma muito mazinha, aliás, calham-lhe sempre na rifa turmas dessas... No sétimo ano, eles eram os piores alunos da escola! Lembro-me da cara de desânimo da minha mãe a contar-nos as peripécias e as faltas de educação desses meninos. Havia vários alunos problemáticos. O Diogo era o pior e a minha mãe contava coisas verdadeiramente inacreditáveis... 
Tu sabes que a minha mãe adora poesia e numa aula, depois de analisar com os alunos um poema sobre a mãe, pediu-lhes que escrevessem um texto em prosa ou em verso sobre o mesmo tema. Todos gostaram da ideia menos o Diogo que disse que escreveria sobre o pai, o avô, sobre qualquer pessoa, mas sobre a mãe NUNCA! A minha mãe perguntou-lhe por que razão não escrevia sobre o tema proposto e ele disse cobras e lagartos da mãe, o pai é que era o seu ídolo, o pai era tudo, a mãe não valia nada... A minha mãe ficou muito incomodada com o que o aluno disse e decidiu convocar a mãe  para uma reunião. A senhora prontificou-se vir logo no dia seguinte e assim foi. 
A mãe do Diogo chorou a reunião toda a falar sobre as dificuldades que tinha com o Diogo e com o marido, pai do Diogo. Achava que o pai era uma má influência, era violento com ela, ameaçava-a constantemente... Ela tentou pedir o divórcio, mas ele disse que a matava, que a caçava onde quer que fosse... Vivia aterrorizada e o filho falava com ela nos mesmos moldes, sem uma palavra de carinho, nada...
A minha mãe sugeriu que a senhora levasse o filho a um psicólogo ou a um psiquiatra, pois havia atitudes muito estranhas como bater com a cabeça no quadro, na parede, levantar-se do seu lugar e ir agredir um colega sem qualquer motivo aparente... Ela respondeu que nem pensar, que ele não aceitaria e o pai ainda pior, pois sempre lhe disse que a única pessoa maluca, desequilibrada e com problemas era ela... Estiveram a pensar como levar o Diogo a uma consulta e a minha mãe disse-lhe que combinasse com o psiquiatra o modo de consultar o Diogo sem ele se aperceber: ia acompanhá-la à consulta e, depois, no intuito de ajudar a mãe, o médico faria algumas perguntas aos dois, depois só ao Diogo... e às tantas estaria a consultá-lo sem ele se aperceber... 
O Diogo começou a ir às consultas com a mãe e começou a melhorar o seu comportamento. Em relação ao texto sobre a mãe que o Diogo não quis fazer, a minha mãe só lhe disse que experimentasse a olhar para a mãe com os seus próprios olhos e não com os do pai e que visse ele como era a mãe verdadeiramente, que ele já era crescidinho para formular as suas opiniões e não ir atrás das opiniões dos outros...
Hoje, passados dois anos, o Diogo entregou à minha mãe o texto que ela lhe pedira no sétimo ano sobre a mãe. E era um texto lindo, Francisco, a minha mãe ao ler-nos o texto quase chorou de felicidade. O Diogo falava da mãe com um carinho, com um orgulho... devias ter visto o texto que ele escreveu! A mãe é tudo para ele!
Como aconteceu ele ter vindo dar agora o texto à minha mãe? Ele encontrou-a no corredor e disse, professora, tenho aqui um texto para a professora corrigir, era para fazer no sétimo ano, eu sei, mas levei algum tempo a ver com os meus olhos.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Uma bebedeira de caixão à cova

Francisco, queres saber o que aconteceu hoje? Nem vais acreditar! Quatro colegas beberam e pintaram a manta nas aulas. Entraram a cantar, cada um mais alto do que o outro: um trauteava alto e bom som, "Anda comigo ver os aviões", outra esganiçava-se com "Eu tenho dois amores", uma terceira dançava e cantava "Ai que calor, ai que calor...", o último gritava a plenos pulmões "Os maridos das outras". Os professores bem os mandavam calar e sentar, mas eles não ouviam nada nem ninguém, creio até que nem se ouviam a eles próprios... 
Na aula de Matemática, depois de se acalmarem um pouco, desataram a distribuir beijos e foi uma confusão, porque algumas pessoas não queriam beijos nenhuns, muito menos de gente completamente embriagada... O professor teve cá uma paciência, coitado! Estávamos entre estupefactos e divertidos com a hilariante situação! 
Mas que figurinhas tão tristes!
Mas, o pior aconteceu depois do intervalo grande: eles foram reforçar a dose... Meteram-se na casa de banho e beberam mais umas goladas, as raparigas não puderam entrar na casa de banho dos rapazes e desataram a gritar que a garrafa também era delas... Eles acabaram por sair e apresentaram a garrafa já  meio bebida...
Chegaram atrasados à aula de Português, num estado lastimável, mas sempre a cantar. A professora mostrou má cara! Perguntou-lhes o que se passava e eles ainda cantavam mais alto e não conseguiam atinar com as cadeiras para se sentarem... A professora mandava-os calar, mas eles nem a ouviam, riam descontroladamente, cantavam e atiravam-se para cima das mesas e das cadeiras. Um deles, muito alto e gordo, caiu estatelado no chão e foi um caso sério para o levantarmos. A professora decidiu mandar chamar o funcionário para os levar dali, pois não estavam em condições de permanecer na aula. O funcionário viu-se da cor dos gatos para os levar, abraçavam-se a ele, queriam beijá-lo... Foi cá uma cena! Postos fora, a professora iniciou a aula. Ah, tivemos de abrir as janelas e a porta, por causa daquele cheiro nauseabundo.
Não estejas a olhar-me com essa cara, eu disse-te que não ias acreditar! 

domingo, 11 de novembro de 2012

Pôr a escrita em dia!

Francisco, tu és o máximo! Com que então achas que devemos pôr a escrita em dia! Passou muito tempo, tu sabes! Podíamos começar tudo de novo, a partir daqui! Não. Queres saber o que de importante aconteceu na minha vida?
Bem, deixa cá ver! Tanta coisa e nada!
Mas, pronto, vou contar-te a minha primeira experiência amorosa. Não, não precisa de bolinha vermelha no cantinho de coisa nenhuma...
Eu nunca fui muito de namorados, tu sabes! Mas, todas as minhas colegas tinham um namorado e eu já estava a pensar que não era uma rapariga normal. Tinhas de te rir de mim, agora? Bom, é melhor não te contar nada!
Está bem, eu conto:

O Carlos era o rapaz mais bonito da escola, vinha de Lisboa, tinha sido transferido. Era mais velho  e também mais sabido, claro! Todas as miúdas andavam atrás dele, já sabes como é! Eu continuava no meu mundo à parte! Ele começou a meter conversa comigo, mas eu não lhe ligava muito. Trocava a conversa com ele por um livro ou por um jogo qualquer... Mas, ele insistia, insistia... convidava-me para passear, queria levar-me à porta da sala de aula... Eu recusava. Que parvoíce era aquela de me levar à porta da sala? 
As outras meninas achavam que eu só podia estar parva por recusar o rapaz mais cobiçado lá da escola... Enfim!
Como é que ele era?
Era alto, olhos esverdeados e travessos, pele bronzeada, cabelo escuro pelos ombros, um sorriso permanente na boca carnuda... Era simpático, atencioso, mas havia qualquer coisa nele que soava a falso. Por isso, demorei tanto a tomar uma decisão!
Como aconteceu?
Ora, foi naturalmente, quase sem dar por isso. De repente, andávamos de mão dada, íamos ao bar juntos, levava-me à sala, ia buscar-me... Despedíamo-nos com um beijinho na cara.
Quando aconteceu o primeiro beijo na boca?
Francisco, estás muito curioso para o meu gosto!
Foi assim: 
Um dia, não tive Matemática e ele faltou à aula para ficar comigo. Não achei nada bem! Fomos passear para o jardim, íamos a conversar... De repente, parou, pôs-se à minha frente, agarrou-me o rosto e beijou-me... Fiquei surpreendida e corada, sentia a cara a arder, em fogo. Ele sorriu e perguntou, gostaste, eu gaguejei um sim muito vermelho.
E depois?
Depois, fomos para a escola!
Ah, o que se seguiu depois do beijo? Seguiram-se outros, mas eu não me sentia muito à vontade... É que começaram a assaltar-me algumas dúvidas. Eu não tinha a certeza se gostava mesmo dele! Se queria mesmo namorar a sério. Depois, ele era bem mais velho do que eu e queria sempre mais do que eu estava disposta a dar-lhe. Eu recusava, ele amuava! Eu não me ralava muito com isso! Ele insistia, eu recusava... E fomos andando assim, entre recusas e amuos...
E?
E um dia, fomos passear, de mão dada, estava um dia lindo, era Primavera... Ele encaminhou-me para o lado da mata, eu disse que não queria ir, mas ele insistiu e insistiu... que me ia mostrar um lugar lindo... Acabei por ir... 
Chegados ao local, perguntou-me, apontando em redor, com um gesto largo, tentando abarcar todo o lugar:
- Não é lindo?
Olhei em redor, meio desconfiada. Mas sim, era lindo, o chão verde, pontilhado de flores azuis, amarelas, vermelhas... As árvores de copas altas e frondosas filtravam a luz do sol que, através da folhagem, reflectia mil cores, mil brilhos...
Olhámo-nos, sorri e ele sorriu também:
- Rita, quando estiveres preparada é aqui que quero fazer amor contigo. A nossa primeira vez terá o Sol como testemunha... Agora, só quero um beijo e agradecer-te por teres confiado em mim...
Encostou-me contra a árvore e beijou-me. Depois, pegou na minha mão, beijou-ma e, de mão dada, calados, saímos dali...
Que bonito! Sério, Francisco, achaste bonito?
Que aconteceu? Porque não estamos juntos ainda?
Porque a vida dá muitas voltas e, acabado o ano, os pais dele mudaram-se de novo para Lisboa e depois foram para Angola. 
Se fiquei triste? Fiquei... Angola não fica já ali! Mas, sabes, guardo uma recordação linda do meu primeiro amor...




sábado, 10 de novembro de 2012

Reencontro

Francisco, passou tanto tempo! Não tenho falado contigo, não te tenho contado as minhas coisas. Cresci um pouco e achei que não fazia mais sentido conversar com o meu diário. Que tolice! Poderia ter desabafado tanta coisa contigo... E sei que me ouvirias sempre sem me julgares! Fui tola, eu sei! Mas voltei! Confesso que foi quase por acaso! Foi como se tivesse aberto uma gaveta fechada há muito e deparasse com algo muito importante... Sabes, quando vestimos um casaco que estava guardado há muito tempo no armário e pomos as mãos nos bolsos e no meio de papéis sem importância, encontramos uma nota de 50 euros? Foi a mesma sensação. Não, minto, foi melhor ainda, foi ter descoberto um amigo perdido, foi como encontrar o amor da minha vida... Não cores! A amizade é o amor que nunca se esgota, é eterno, é doce, é calmo! 
Ver-te ali à minha frente, foi uma alegria imensa, folheei-te, li-te e reconheci-me em todas as palavras... Vamos voltar a conversar sobre tudo, vou voltar a confiar-te os meus segredos, vou encostar a minha cabeça no teu ombro, tu vais passar a tua mão pelo ouro dos meus cabelos como antigamente, vamos rir das minhas maluquices... 
Francisco, sei que ficaste incomodado, quando, depois de tanto tempo, me atirei nos teus braços... Era uma saudade tão grande a que eu tinha, era como se tivesse chegado de uma longa viagem e tu estivesses no aeroporto à minha espera...  era como se eu ao vislumbrar-te no meio da multidão, sentisse o coração a bater e a empurrar-me para ti e... então, corri e lancei-me nos teus braços e ficámos abraçados... 
Tudo vai correr melhor a partir de agora, porque te tenho de novo... Vamos dormir... Até amanhã, Francisco, meu doce amigo. 
Dorme bem, Rita, eu vou estar sempre aqui ao teu lado!