domingo, 20 de setembro de 2015

Preservativos andantes

Chegámos.
Um gritou, como se não tivéssemos dado por isso:
- Chegámos, pessoal.
Saímos do autocarro aos atropelos, aos empurrões, animais a saírem da jaula...
- Calma, meninos, não tenham medo que ninguém fica aqui...
- Meninos?!, professora? Ah, claro, para os professores e para os nossos pais... somos sempre criancinhas, quase acabadas de nascer.
Fomos saindo e corremos para buscar as mochilas.
O Luís ficou de boca aberta a olhar para os vários preservativos gigantes e coloridos a passearem-se pela rua, numa algazarra descomunal. 
- Hei, Luís, a tua mochila...
Acabou por encolher os ombros e procurar o seu saco no meio dos outros que estavam ali, no meio daquela grande confusão. O Luís estava espantado e surdo, só tinha olhos para aquele grupo de cores chamativas que ia descendo a rua.
No fim, já na posse dos nossos pertences, juntámos-nos aos professores. 
Só restou uma mochila. O motorista chegou-se ao pé do grupo barulhento e disse:
- Alguém se esqueceu desta sacola.
Olhámos uns para os outros, e depois de cinquenta e tais não é minha, não é minha, não é minha... O Zé informou:
- Ah, essa é a mochila do Luís.
Todos os olhos procuraram o Luís. Do Luís nada! Onde está o Luís?, onde pára o Luís?, aonde foi o Luís?, alguém viu o Luís?, mas será que ninguém viu o Luís?, mas onde é que se meteu o raio do rapaz?...
Os olhos alongavam-se até ao horizonte e do Luís nem a mais pequena sombra.
Mais um chorrilho de perguntas retóricas: quem viu o Luís?, alguém viu o Luís depois de sairmos do autocarro?, onde estava?, com quem estava?, estava a fazer o quê?. a falar com quem?...
O Zé, por fim, falou: ele ficou a olhar para uns preservativos andantes, foi o que vi. Às tantas foi atrás deles para ver para onde iam.
O Rafael, sempre danado para a brincadeira, alvitrou:
- Ai, meu Deus, e se os preservativos foram para onde costumam ir!...
E houve sermão e missa cantada: deixa de ser engraçadinho!; tu és parvo ou quê?; um colega teu desapareceu e tu estás com piadinhas!, recolhe o teu espírito, parvo...
A visita de estudo começava bem! 
Os professores dividiram-se: um ficou a tomar conta de nós; outros foram à polícia, outros às informações. 
Mais tarde, apareceu o Luís, todo sorridente, com a professora de História. A professora não sabia se havia de rir ou de mostrar cara de poucos amigos...
E foi assim que uma visita de estudo ficou comprometida, por causa de uns preservativos coloridos, às tantas, com sabores a morango, maçã ou laranja, que se passeavam pela rua e que faziam parte de uma campanha de prevenção.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Há sempre uma ovelha ronhosa...

Olá, Francisco!
Bons olhos me vejam! Obrigada, amigo! É sempre bom sermos recebidos calorosamente.
Novidades? Pois. Não sei se o que tenho para te contar se pode chamar de... novidade! Para mim, novidade é sinónimo de algo bom. O que não é o caso! 
A minha turma recebeu três alunos de NEE e, já sabes como é, há sempre alguém que não concorda que haja alunos destes na turma, que são atrasados, que só nos lixam a vida, porque os professores perdem tempos infinitos com eles... E para quê? Eles não aprendem, eles são burros, eles deviam estar em turmas especiais... mais, em escolas especiais. 
A DT falou connosco sobre a importância da integração destes alunos na sociedade... Falou que nós tínhamos um papel muito importante na vida escolar destes novos colegas... Falou, falou... E tudo o que disse tem lógica e está certo. Ah, a professora falou connosco numa aula em que esses alunos não estavam, para nos preparar, para nos dar a conhecer os seus problemas, e para nós podermos fazer perguntas sem ficarmos inibidos com a presença deles... 
Uma menina é autista, um rapaz tem uma doença degenerativa e soubemos que a todo o momento pode morrer, desloca-se numa cadeira de rodas, não tem força nas pernas... É um dó olhar para ele. Quando falta, fico logo a pensar que não vai voltar, e a professora também fica preocupada, que eu bem vejo ela a olhar para o lugar vago... O terceiro aluno não fala, é mudo, emite uns sons que mais parecem grunhidos e fica desvairado, quando quer comunicar e não consegue fazer-se entender... 
Eles não vão a todas as aulas! 
Depois da DT nos falar sobre estes colegas, houve logo dois alunos que perguntaram se não podiam mudar de turma. A professora não gostou da sua atitude, porque percebeu logo que o problema era os colegas diferentes. Eu olhei-os estupefacta. Que falta de sensibilidade! Todos diferentes, todos iguais! A Rafaela disse que não lhe pedissem para ter paciência com esses... que fossem para outra escola... a Ana concordou com a Rafaela e disse uma série de coisas que nem te vou contar. A professora tentou fazer-lhes ver que estavam erradas, mas foi em vão. Elas disseram que estavam fartas de "défices" e de toda a gente (professores e funcionários) os tratarem como se fossem alunos normais... mas que depois na avaliação... era testes adaptados, perguntas de caracacá, que passavam sempre de ano, sem fazerem praticamente nada, que os professores deviam era dar atenção aos alunos normais e deixar os outros, que só perdem tempo com gente que não aprende... Sei lá! Foi feio e mau o que disseram! Para ajudar à festa, o João e o Daniel decidiram juntar-se à Rafaela e à Ana. Armou-se uma discussão de todo o tamanho na aula e a professora acabou por mandá-los calar de uma vez, avisando-os que não toleraria faltas de educação e que nem pensassem em tratar mal os colegas...
Quando saímos da aula, o grupo do contra cruzou-se com os colegas de quem tínhamos estado a falar e passaram de nariz no ar, ignorando-os. A Rafaela esbarrou na menina autista, a Laura,  e gritou-lhe, sai da frente anormal. A Laura, primeiro, ficou triste, mas, a seguir,  reagiu e pregou um estalo na cara da Rafaela. Pegaram-se, a Laura tem uma força!... Tu não estás bem a ver, Francisco! Vieram duas funcionárias a correr para separar a briga, mas foi difícil!
Resultado, a Laura não pode ver a Rafaela à frente, diz que ela é mal educada e má. A Rafaela chama-lhe anormal entredentes. Já todos os professores tiveram uma conversa connosco e, mais especificamente,  com o grupo do contra. A Rafaela é a única que continua a destratar os colegas...