sábado, 27 de abril de 2013

A nova Linda

A minha irmã foi com a Linda ao cabeleireiro. O Rodrigo olhou, mirou, mexeu, apalpou-lhe o cabelo  e exclamou:
- Este cabelo tem sofrido horrores, bem-vinda, vou ver que milagre se pode fazer aqui. Pior do que está é completamente impossível!
A nossa nova amiga olhou-o desconfiada e muito pouco convicta...

A Francisca chegou a casa sozinha, perguntei-lhe pela Linda. Encolheu os ombros, que tinha desistido, que fez uma cena, porque a queriam mudar, que, que, que... A minha maninha estava desolada. Subiu e enfiou-se no quarto. Cada vez que não consegue algo, retira-se, encafua-se no seu mundo...
Não consigo acreditar! 
Francisco, a tonta da Linda, que ninguém reconheceu no bar, voltou atrás? Não percebo, todos a acharam engraçada, ela divertiu-se, brincou, foi uma Bruna alegre e bem-disposta!... Parecia que estava tudo no bom caminho. À noite, contou-nos que o pesadelo começara desde que entrara para a escola, que a gozavam por causa do nome, ao ponto de ela se transformar daquela maneira. Mas, agora, com a ajuda da minha irmã,  tinha-se apercebido que as pessoas não são feias, têm é de aprender a valorizar os seus pontos fortes... 
E agora desistiu!
E eu que estava tão contente! 
Na próxima aula vamos apresentar o trabalho de português, pensei que apresentaríamos também a nova Linda... 
A única coisa positiva nisto tudo é que consegui saber porque se esconde a Linda, assim, debaixo de trapos e maquilhagem horrendos.
A minha mãe disse-nos que se calhar tínhamos ido muito depressa ao pote, que se a mudança tivesse sido mais gradual e não tão radical... É que... devagar se vai ao longe!
Fui telefonar ao grupo para combinarmos melhor a apresentação do trabalho, marcámos um encontro para a hora de almoço, na biblioteca, antes da aula de português para ultimarmos tudo. A Linda disse que não podia ir que, na aula, faria o que tivéssemos decidido. Fiquei chateada, queria que tudo corresse bem, sem falhas nem enganos e agora a menina Linda não estava disponível... Que irresponsável!
No dia seguinte.
Chegámos à aula, a Linda não havia meio de chegar. Chegou a nossa vez, ligámos o computador, o projector... Estava a fazer a introdução ao trabalho, quando bateram à porta. A professora mandou entrar, como ninguém entrou, encolheu os ombros e foi abrir a porta. Olhámos quase todos para a porta aberta. Uma rapariga ruiva e sardenta espreitou. A professora olhou-a interrogativamente.
- Posso entrar, professora, estou atrasada, mas vejo que os meus colegas estão a principiar a apresentação do trabalho...
- Linda! - gritámos em uníssono.
Ela entrou, a professora ficou ao fundo da sala a sorrir e piscou-me o olho. Rodeámos a nossa nova colega.
Francisco, todos ficámos encantados, e afinal a Francisca conseguiu mesmo fazer da Linda feia uma Linda bonita.
Estava de calças de ganga, vestida como qualquer uma de nós, usava um pouco de maquilhagem... Parecia muito mais nova, quer dizer, parecia ter a idade que tem!
Quando cheguei a casa, a Francisca queria que lhe contasse tudo.
- Nem penses, ontem enganaste-me.
- Ora, Rita, diz lá que não foi por uma boa causa? Diz lá que não gostaram da surpresa?
Francisco, sabes por que razão a Linda não foi à reunião e chegou atrasada à aula? Pois, estava com a minha irmã. A minha mana é que lhe escolheu a roupa e que a maquilhou. E não me disse nada, a malvada!
E o trabalho? Ah, a apresentação do trabalho correu bem, Francisco, a professora adorou, os meus colegas disseram que foi o melhor trabalho, ficámos duplamente contentes... Ah, e a professora felicitou-nos  pelos dois trabalhos... Sim, Francisco, a transformação da Linda e o trabalho de grupo.


sexta-feira, 19 de abril de 2013

A mudança e a nova amiga, a Bruna

Sábado de manhã. O meu pai, a minha irmã e eu a braços com a cobertura da piscina. Aquilo pesa horrores, mais do que o meu dinheiro e o da família inteira. A minha mãe observava lá de cima da varanda com um sorriso. O meu pai perdia a paciência com a nossa falta de jeito, dizia ele, mas era mais falta de força, dizia eu!
Por fim, lá conseguimos tirar o largo e pesado oceano azul de cima da água azul turquesa que brilhava e rebrilhava e reflectia o céu... Lavámos a cobertura, colocámo-la a secar na rampa que dá para a garagem e toca a aspirar a piscina e a pôr tudo em ordem para receber o pessoal, depois de almoço: cadeiras, espreguiçadeiras, mesas, almofadas, mantas,  o grande chapéu de sol... tudo cor-de-laranja a dar um ar colorido à relva verde e viçosa acabadinha de cortar. Ah,  e as tochas...
A minha mãe preparou umas pizzas e almoçámos, ali à beira da piscina, estirados ao sol.
Logo depois, chegou a Linda. Se não fossem os malditos piercings e a horrorosa roupa fúnebre, nem a tínhamos reconhecido: trazia uns calções pretos, uma túnica preta adornada com tachas e as botas horrendas que nunca tira. 
Será que dorme com elas? Mas que pergunta mais idiota, Francisco.
A cara lavadíssima, branca, o cabelo atado com uma fita negra e as unhas pontiagudas sem verniz.
Logo a seguir, chegaram duas amigas da Francisca e a Margarida.
A minha maninha anunciou que à noite íamos a um bar, que a roupa não era problema, que entre a roupa dela, a minha e a da minha mãe de certeza todas ficaríamos bem servidas.
A tarde foi agradável, rimos, contámos anedotas, tomámos banho, jogámos, ouvimos música... A minha irmã fingiu o tempo todo que lia um livro e observava a Linda. É claro que a doce Francisca estava a preparar alguma, ela ia lá para a noite com uma Linda feia! Não sei como é que vai convencer a minha colega a vestir outra coisa que não sejam os seus trapos pretos de luto cerrado!
A tarde começou a cair e um vento frio a levantar-se. Arrumámos tudo e rumámos a casa, tínhamos de tomar banho, arranjarmo-nos e jantar...
A Francisca convenceu a Linda a tomar banho e a arranjar-se nos seus aposentos. 
- Tu vens comigo. A Margarida vai com a Rita, a Joana e a Marta preparam-se no quarto de visitas... - decidiu ela.
Eu comentava com a Margarida a decisão da minha irmã.
- Aposto que não vamos reconhecer a Linda que vai sair do quarto da minha maninha! 
A Margarida dizia que não acreditava, que ainda se iam zangar...
A minha mãe preparava o jantar com o meu pai lá em baixo e riam não sei de quê. Eu conseguia ouvir o riso e a voz da minha mãe.
- Rita, a tua mãe tem uma voz tão bonita, as aulas dela devem ser deliciosas!
- Sim. Margarida, sabem a morangos com chocolate!
- Que tonta, Rita, estou a falar a sério!
A minha irmã bateu à porta:
- Rita, empresta-me aquele vestido branco com o peitilho de renda e os teus sapatos cor de pérola... Vai-me buscar o casaco branco da mãe, aquele que eu gosto.
Olhei-a estupefacta, vestido branco, sapatos pérola, casaco branco!...
- Ah, empresta-me aí os teus brincos: as pérolas pequeninas e as outras maiorzinhas...
Entreguei-lhe tudo com um monte de perguntas a bailar-me na ponta da língua, mas ela virou costas e desapareceu.
A Margarida olhava para mim e sorria, enquanto pintava os olhos. Estava gira, de saia preta com lantejoulas e blusa rosa com uns desenhos bordados com lantejoulas pretas e cor-de-rosa, sapatos de salto pretos de verniz. 
A Joana e a Marta juntaram-se a nós já prontas também. Sentámo-nos na minha cama, à espera.
Do outro lado não se ouvia nada, a não ser a música da Francisca.
Decidimos descer, fomos ajudar a minha mãe na cozinha.
- Que lindas! - aprovou o meu pai, quando nos viu. - E a Francisca e a Linda? Deve ser uma tarefa difícil, a de convencer aquela menina a ficar mais apresentável.
- A Francisca consegue sempre o que quer! - disse a minha mãe. - Acho que vamos ter todos uma agradável surpresa. 
Mesa posta, comida a fumegar, um cheirinho de comer e de chorar por mais... A conversa decorria animada, quando surgiu pé-ante-pé a Francisca, seguida de uma rapariga completamente desconhecida.
 - Apresento-vos a Linda! - disse a minha irmã com o maior sorriso do mundo.
Como é que ela convenceu a Linda a tirar os piercings todos e a transformar-se numa princesa não sei, mas que a minha colega parecia outra, lá isso era verdade: tinha o meu vestido, os meus sapatos, o casaco da minha mãe, as pérolas nas orelhas em vez daquelas mil argolas que ela usava, nem a bola da língua, o brilhante do nariz, a bolinha preta da bochecha e a argola por baixo do lábio inferior escaparam. A maquilhagem disfarçou todos os buraquinhos!
- Meninas, sabem de que cor é o cabelo da Linda? - Perguntou a minha irmã com um brilhozinho nos olhos. - É ruiva. Já combinei com ela, amanhã vamos ao cabeleireiro mudar este negro azulado...
Nós olhávamos atónitas para aquela mudança que, pelos vistos, ainda não tinha acabado.
Jantámos e saímos.
- Quem não vai conhecer a Linda é o Gonçalo e o André, Margarida.
- Rita, apresentamos a Linda aos dois, dizemos que se chama Bruna e que é minha prima. Que acham? Topas, Linda?




sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ó Deus, a vossa amiga já caiu no lodo!

O Trabalho de Português está quase pronto. Assaltámos os caixotes de apontamentos e de fotocópias da minha mãe,  do tempo dela da Faculdade. Ela contou-me que estudara Os Lusíadas e a obra de Fernando Pessoa... 
Que sorte, Francisco! Havia tanto material. Espalhámos tudo na garagem. Quem não achou graça nenhuma foi o senhor raiz quadrada! Ia-lhe dando um ataque, uma coisinha má,  logo que entrou na garagem e viu aquele festival de papéis e livros e sebentas por todo o lado, e nós sentados no chão, qual ilhas, rodeados por um mar de papelada, velha e encardida, por todos os lados, e ainda os portáteis, canetas, lápis... canecas com chá, pratinhos com biscoitos e línguas-de-gato.
Era quinta-feira, a Francisca telefonou  a dizer que chegava à tarde. Com um pouco de sorte chega a tempo de conhecer a Linda. A minha mãe ainda não viu a Linda, só chega lá para o fim da tarde. O meu pai ficou de tal modo fulo com o espalhafato que fizemos na sua querida garagem que nem nos olhou, só disse:
- Quero esta balbúrdia toda arrumadinha, meninos!
Olhei para o Gonçalo e desatámos a rir, ele não viu de certeza a Linda, aliás, ele não viu ninguém...
Pegámos no material escolhido e nos portáteis e levámos tudo para o escritório. Colocámos o restante  material nos caixotes e deixámos a garagem de novo em ordem, como o senhor meu pai gosta.
Estávamos já no escritório a trabalhar, era preciso inserir os novos dados descobertos, quando de repente soou a voz doce da minha mãe:
- Então, como vai o trabalho, precisam de ajuda?
Levantámos a cabeça e encostado à ombreira da porta, estava o mais belo sorriso do mundo nos maiores  olhos de esperança que conheço.
- Linda, apresento-te a minha mãe!
- Olá Linda, muito prazer em conhecer-te! Viva Gonçalo! Então, André e Margarida? Como vai esse trabalho? Falta muito?
- Estamos a ultimar, a enriquecê-lo com alguns dados do tempo dos dinossauros que encontrámos nas catacumbas do senhor raiz cúbica...
- Hummm! Raiz cúbica... estou a ver que se chateou convosco!
- Tudo sob controlo - disse o Gonçalo - já arrumámos tudinho.
- Mãe, a Francisca vem hoje!
- Ora bem, que tal uns moranguinhos com iogurte? Comprei-os agora, se souberem como cheiram...
E desapareceu rumo à cozinha.
- Rita, a tua mãe é muito bonita, és parecida com ela! Tem cá uns olhos!
- Chega de conversa, toca a trabalhar.
Não, Francisco, a minha mãe não ficou impressionada com a figura da Linda, quer dizer, pelo menos, não o deu a entender.
Estávamos a comer os morangos, quando irrompeu pela cozinha a minha mana:
- Também quero! Viva pessoal, tudo bem?
Abraçou e beijou a minha mãe que lhe esticou a taça que acabara de preparar.
- Bem, tu deves ser a Linda! Mulher, que se passa contigo? O Carnaval não passou já ou sou eu que já perdi o tino? Adoro esse estilo, vai ser um sucesso no próximo baile... não achas, Rita! Pareceremos todos saídos de um qualquer filme de terror...
Eu fiquei de boca e olhos enormemente abertos a olhar a cara da Linda. O Gonçalo confirmava e sustinha, como podia, o riso, prestes a estalar. O André olhava-nos a todos entre divertido e preocupado. Se a Linda se passa, pensava, vai ser um Deus nos acuda. A Margarida engasgou-se e tossia aflita.
Para ajudar à festa, surge o meu pai a dizer que a cadela tinha feito umas escavações, que os buracos estavam cheios de água, que tínhamos de ter cuidado para não nos atolarmos no lamaçal... Nisto, encara com a Linda e disse com a cara mais pesarosa do mundo:
- Ó Deus, demasiado tarde, a vossa amiga já caiu no lodo!
E foi um estardalhaço de gargalhadas, a Linda desatou a rir e nós ficámos uns momentos sem saber se devíamos rir também. E rimos. E olhávamos uns para os outros e ríamos cada vez mais. Por fim, entre gargalhadas:
- Rita, a tua família é extraordinária, vocês são o máximo, nunca me ri tanto na minha vida. 
Cada vez que nos lembrávamos da cara do meu pai, não aguentávamos, a Linda imitava a Francisca e ria, ria, ria...
- Linda, vamos destapar a piscina no Sábado, queres passar o fim-de-semana connosco? - perguntou a minha doce maninha. - Margarida podes vir também.
Percebi logo a estratégia da Francisca.
O André segredou-me um vão ficar com a água da piscina toda suja. Cala-te, atirei-lhe. Olha, só o duche antes do banho não chega tornou ele, tens de a passar por várias águas, insistia. Pára com isso, sussurrei-lhe, já zangada.
Apitaram lá fora, eram os pais dos meus colegas.
- Conta comigo, Francisca, no Sábado cá estarei.
Foram-se. A Francisca piscou-me o olho e subiu para desfazer a mala...




sábado, 6 de abril de 2013

Parece que viste um fantasma!

Formados os grupos, sem incidentes nem amuos, dispusemos as mesas  e ficámos à espera de directrizes... 
- Meninos, vamos trabalhar Fernando Pessoa e Camões,  Mensagem e Os Lusíadas. Vou dar-vos as indicações...
- Professora, podemos fazer em Power Point?
- Sim. A apresentação dos trabalhos fica ao vosso critério...
A professora distribuiu os temas pelos grupos. Ao nosso grupo calhou "O herói em Os Lusíadas e   Mensagem".
A Linda ficou sentada à minha frente, entre o Gonçalo e o André. Nunca estive tão perto dela! Começámos a fazer o plano do trabalho. Ela começou a dar a sua opinião e arrepiei-me, quando os meus olhos ficaram presos na bolinha prateada que ela tinha cravada na língua... Ela ia falando e a bola subia e descia! Os meus olhos começaram a percorrer-lhe o rosto, na bochecha, numa covinha, uma bolinha preta horrorosa, em torno da orelha direita uma quantidade de argolinhas  prateadas de vários tamanhos, na orelha esquerda uns bicos negros, no nariz um brilhante do lado direito, por baixo do lábio inferior uma argola preta. Que horror! Pensei. Como é que alguém se pode mutilar assim? Ela falava e eu não ouvia nada, só via a bolinha subir e descer, aparecer e desaparecer...
- Rita! - gritou o Gonçalo. - Que achas da ideia da Linda.
- Acho, acho, acho bem!
- Estás bem, Rita, parece que viste um fantasma! - disse o André a rir. 
- Deixa de ser parvinho! 
Não conseguia concentrar-me, os meus olhos saltitavam de um lado para o outro, do cabelo preto azulado e completamente desalinhado  para os olhos muito pintados de preto, para a boca, um buraco sombrio, para a bola, para as orelhas, para o nariz, para a covinha entre o lábio e o queixo, para a bochecha, para a roupa fúnebre, para a cara cheia de base escura de mais, para as mãos com umas unhas longas e pontiagudas, pintadas de negro... Tanto negro, tanto buraco, comecei a sentir-me mal, cada piercing fazia-me arrepiar, estremecer,  a minha cabeça divagava longinquamente... De repente, levantei-me e pedi à professora para sair.
- Estás bem, Rita? - perguntou. - Estás tão pálida!
- Tenho de ir lá fora, estou mal-disposta, professora!
A Margarida saiu comigo. 

Francisco, eu não vou conseguir fazer o trabalho com a Linda à minha frente, ela é horrível, consegue ser mais assustadora do que uma personagem do Walking Dead.

Regressámos à aula, troquei de lugar com a Margarida, fiquei de lado, assim não precisava de ver aquele espectro da morte à minha frente.
- Rita, só tu é que ainda não deste qualquer parecer em relação ao trabalho. Que achas?
A voz da Linda  soou-me melodiosa, doce... A primeira vez que falou, na última aula, a sua voz pareceu-me ameaçadora! Só agora me apercebi do tom jovial e doce da sua voz!
A professora começou a dizer que só dava mais uma aula de noventa minutos para fazermos o trabalho, que se não chegasse, teríamos de nos juntar na Biblioteca ou no lugar que nos conviesse mais. 
Temos quinze dias ao todo para fazermos o trabalho, depois seguem-se as apresentações...
A aula terminou, a Linda desapareceu, ficámos nós à conversa com a professora.

Francisco, a professora quer que nos aproximemos da Linda e que percebamos por que razão ela se apresenta assim. A Margarida diz que foi um trauma qualquer, que ela se esconde debaixo daquela capa negra... O André diz que ela é feia e que ainda se faz mais feia e que o nome dela só prejudica: 
- Vejam só, uma pessoa chama-se Linda, mas é feia, não consegue viver com essa realidade e faz-se mais feia ainda.
O Gonçalo riu-se a bandeiras despregadas da teoria do André e ainda atiçou mais a fogueira:
- Cá para mim, o único responsável é mesmo o nome dela, se se chamasse Ana, Inês, Bruna... podia ser feia à vontade, ninguém ligava... O problema é uma pessoa feia ter um nome que é a sua antítese. Todo o mundo goza: Olha que Linda tão feia! Onde estava o teu pai com a cabeça, quando te deu esse nome?
Não sei se conseguiremos ir a algum lado. Cá em casa, a Francisca continua a insistir que fará milagres com a Linda feia!


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Eu NÃO quero a vossa amizade!

Pois é, tem sido difícil abordar a Linda. Ela isola-se e se nos vê aproximar, troca-nos as voltas. Na aula com a DT, pediu para falar, a professora deu-lhe a palavra. Ela levantou-se, tossicou: 
- Olha, eu já estou farta dos vossos olhares atravessados, não tenho pachorra para os vossos cochichos, não acho graça às vossas caras de parvos... Parem de olhar para mim como se eu fosse um ET. Vocês não são melhores do que eu, eu não preciso de vocês para viver, há umas horas nem vos conhecia, nem sabia que existiam. Não precisam de se esforçar para me tolerarem, para fingirem que querem ser meus amigos. Eu não quero a vossa amizade. Se alguém vos disse que tinham de ser meus amigos, enganou-vos. Eu sou eu e vocês são desconhecidos que eu tenho de tolerar porque vim parar a esta terrinha, a esta escolinha de gente metida, de gente que acha que pode salvar a pátria, os pobrezinhos, os sem-abrigo, os alienados... Que fique esclarecido de uma vez por todas, eu NÃO quero a vossa amizade!  Não me dirijam a palavra, porque eu não vo-la dirigirei... Tenho dito! Ah, não precisam de comentar, aliás, poupem-me aos vossos comentários. Obrigada, professora, pelo tempo de antena concedido. Até amanhã!
Francisco, ela pegou nas coisas e saiu, a professora nem teve tempo de dizer o que quer que fosse. Nós olhávamos uns para os outros, enquanto arrumávamos o material.
O André pegou na mochila e disse resoluto:
- Pronto, professora, tarefa inconcluída, por incompreensão e recusa da pessoa em questão.
Saímos da sala de cabeça baixa. 
- Rita, - chamou a professora - amanhã vamos fazer um trabalho de grupo. Fala com os teus colegas de modo a combinarem os grupos, incluindo a Linda. Os elementos do teu grupo serão: tu, a Margarida, a Linda, o André e o Gonçalo. Os outros grupos serão como quiserem...
Percebi logo a intenção da professora, a Linda vai ter de falar connosco mesmo que não queira: o Gonçalo é um espalha-brasas; o André tem um sentido de humor incrível, mas também sabe ser torto e inconveniente; a Margarida é engraçada, tem sempre uma palavra amiga, é boa aluna, é ponderada; e eu, a santa Rita, sempre pronta a pôr água na fervura...
- O trabalho será feito na aula, mas terão de marcar alguns encontros fora das aulas, em casa de algum, na biblioteca... onde quiserem. É necessário que consigam levar a Linda a encontrar-se convosco para a realização do trabalho. Rita, já sabes que confio inteiramente em ti. Tenho a certeza que conseguirás em conjunto com os teus colegas integrar a Linda na turma e, quem sabe, se não ficam todos amigos.
- Isso era uma grande vitória, professora! - conclui sorridente.
- Até amanhã, Rita!
- Xau professora!