terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Conferências, roubos, sermões

Olá Francisco!

Estás contente por me veres? Eu também estou feliz por estar aqui contigo.
Como vão as aulas? Bem. Os meus colegas? Ah, esses têm dias: dias em que se portam mais ou menos, dias em que se portam pior, dias em que nem vale a pena falar... Os professores? Uns mais desanimados; outros vão trabalhando com picos de humor, altos e baixos, estás a ver?; outros nada os abala ou parece não abalar, aparecem sempre com o seu mais belo sorriso e fazem das tripas coração para ver se tudo dá certo: exasperam, quando não respondemos acertadamente; rejubilam, quando estamos dentro da matéria e quando "fazemos bonito", como diz a Victória, uma colega brasileira que entrou há pouco tempo para a turma. 
A minha turma continua a ser mais concorrida, ao nível de chegadas e partidas do que o terminal do aeroporto de Lisboa, como dizia a nossa DT o ano passado. Quanto a isso, nada mudou: há sempre alguém que se foi embora, há sempre alguém que acabou de chegar.
Novidades? A DT pregou um valente raspanete aos meninos "armados aos cucos" e às "meninas metidas a bestas", segundo a nova colega. 
O Paulo decidiu roubar os telemóveis a todos os incautos e fazê-los desaparecer, foi um ar que lhes deu. A par dos telemóveis, foi dinheiro, ipads, consolas, óculos de sol... Tudo o que caiu na rede do Paulo era peixe.
Como aconteceu uma coisa destas?
Francisco, a professora já tinha avisado que não levássemos coisas muito valiosas para as aulas, que levássemos telemóveis velhos, só para estarmos contactáveis, os outros valores eram para ficar em casa. O pessoal adora desfilar com o seu iphone novo, o seu ipad do último modelo, a consola portátil mais fixe do mundo e dos arredores, o relógio da marca x... Enfim, chegavam a troçar daqueles que não levavam para a escola os seus objectos de maior valor.
O Paulo, quando era chamado ao quadro, levava todo o "arsenal" consigo: telemóvel e ipad pendurados no pescoço, consola... Algumas coisas, colocava-as na secretária da professora. Depois, acabado o exercício, recolhia tudo e ia para o seu lugar. Ele lá sabia porquê.
Fomos à Biblioteca assistir a uma conferência sobre a violência, deixámos tudo na sala, a professora fechou a porta à chave e levou-a consigo. A palestra duraria 45 minutos, depois regressaríamos à sala, porque a aula era de 90 minutos.
Não sei como, o Paulo saiu da Biblioteca, entrou na sala e limpou tudo o que havia de valor. Ninguém deu pela sua saída nem entrada. Quando regressámos à sala, foi a professora quem abriu a porta... Uma vez, sentados, estivemos a conversar um pouco sobre a conferência e... de repente... começou tudo a queixar-se: uns que lhe faltava dinheiro, outros não tinham os telemóveis... Faltava isto e aquilo. A professora começou a dizer que era impossível faltar alguma coisa, pois tinha sido ela a fechar e a abrir a porta e toda a gente viu e houve até quem confirmasse... Gerou-se uma confusão dos diabos, começaram a desconfiar uns dos outros, a apontar a, b e c. A professora pediu a todos que se sentassem e pregou-nos um sermão daqueles de "caixão à cova". Tudo apontava para o Paulo, houve até quem o visse sair da Biblioteca, tendo regressado pouco depois. Ele desculpou-se, dizendo que fora à casa-de-banho. A professora perguntou-lhe "com ordem de quem é que saíste da palestra?" Ele embatucou. Os olhos da professora pareciam querer sair-lhe das órbitas, enormes, verdíssimos. Estava tudo em silêncio, só se ouvia a voz da professora. Ela estava zangada, zangadíssima, e eu, Francisco, vê tu, a pensar, mesmo a ralhar, mesmo quase a gritar connosco, a professora tem uma voz lindíssima, mais bonita só a da minha mãe...
Agora, Francisco, vais ficar pasmado com o que aconteceu. A professora dirigiu-se ao Paulo e disse-lhe:
- Tens dez minutos para entregar tudo o que levaste daqui, depois, chamo a polícia.
Nós pensámos que ele ia barafustar e dizer que não tinha nada a ver com o desaparecimento de coisa nenhuma. Mas não! Ele levantou-se, saiu da sala. Pensámos, vai-se embora e não volta...
A professora começou a dar aula como se nada tivesse acontecido.
Bateram à porta, a professora olhou para o relógio, sorriu, foi abrir a porta. Era o Paulo. Trazia um saco com todos os haveres dos colegas. Despejou tudo na secretária da professora. Tudo voltou para os seus donos. Faltavam apenas alguns telemóveis. A professora olhou para ele com aquele olhar interrogativo. Ele foi ao caixote do lixo e trouxe os objectos mais humildes. Entregou-os. Chegou a hora da saída. A professora, mais uma vez, falou que aquelas "coisas caras" eram para ficar em casa. Alguns e algumas quiseram argumentar com a professora... Mas esta rematou, dizendo que da próxima vez que tal acontecesse não moveria um dedo, uma palha, para que lhes fossem restituídos os seus pertences. Saímos e a professora fez sinal ao Paulo. O Paulo ficou para trás, nós fomos para a aula de Matemática. O Paulo chegou 15 minutos atrasado e estava com cara de quem tinha estado a chorar...

Sem comentários:

Enviar um comentário