sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A Sara quer sair de casa

Olá Francisco!

Estás admirado por me veres, hoje, tão cedo?
Tinha de te contar uma coisa. Fui ver as notas. Sim já te tinha dito que tinham sido boas, mas fui à escola ver as pautas... Há colegas meus com umas notas desgraçadas! Há colegas que não tiveram uma positiva! Enfim!
Este ano, como já te disse, há alguns colegas novos. Novos! Uns com idade para terem juízo!, outros, se continuarem a chumbar, ainda irão para a escola com os filhos pela mão, como diz a nossa directora de turma... É incrível a quantidade de anos que já chumbaram! Eles riem, quando a DT diz que eles devem gostar tanto, mas tanto, da escola, que não querem de lá sair. Só assim se explica levarem três anos e mais para fazerem um.  
Uma aluna demorou um mês a aparecer, foi preciso a DT telefonar, vezes sem conta, para a mãe. Entretanto, sob ameaça, lá apareceu na escola. É a mais velha de todos nós! A professora perguntou-lhe por que faltara tanto e ela respondeu torto: que só ali estava, porque a obrigaram a ir. Bem que pudesse, iria embora.
Estava a contar isto à minha mãe, a dizer-lhe que me fazia confusão, os pais não quererem saber do sucesso ou insucesso dos filhos, das faltas, das más notas, das faltas de educação... E, olha, a minha mãe não ficou nada surpreendida, disse-me que lida com casos desses e ainda piores todos os dias.  Contou-me que tem uma aluna com dezassete anos, da minha idade, no 7.º ano, que está grávida; que tem um aluno também da mesma idade, que já foi seu aluno há cinco anos no sétimo ano e continua no mesmo ano (Cá para mim, Francisco, ele já deve saber a matéria de cor e salteado!). Os pais disseram à minha mãe que não lhe compram o material, porque já sabem que ele vai chumbar mais uma vez. Ele está à espera de fazer dezoito anos para deixar a escola. Diz que não gosta de andar na escola! Caramba, não gosta de andar na escola, mas tem de lá andar!... Não seria melhor aproveitar e estudar, passar de ano, fazer alguma coisa? Não percebo em que pensam estes miúdos?! E os pais?! Que graça tem andar no sétimo ano 5 ou 6 anos só para passar o tempo?
A minha mãe diz que já falou com os pais, com os alunos, com os pais e os alunos ao mesmo tempo e não conseguiu meter juízo nenhum na cabeça daquela gente.
Mas, isto foi um parênteses! Encontrei a Sara. A Sara? Sim. A do acto irreflectido? Sim, Francisco. Ela disse-me que quer sair de casa, que os pais não a compreendem, que quer fazer a vida dela, que não quer dar cavaco a ninguém..., que está farta de ser controlada, que já tem 22 anos... Perguntei-lhe para onde ia morar e como ia fazer para sobreviver. Que ia arranjar um emprego. E as aulas? Que está farta das aulas e que às tantas não consegue fazer outra vez a Matemática. Claro, se continuares a faltar, se não estudares, se não fizeres exercícios, vais chumbar, Sara!, disse-lhe. Nem me ouviu! Vou a uma entrevista de emprego, se conseguir ficar... saio de casa, alugo um quarto, afirmou. Tentei fazer-lhe ver que devia fazer a disciplina que tem em atraso, mas creio que ela nem ouviu os meus argumentos. Pronto! Estou preocupada com a Sara, porque ela só se mete em encrencas. É filha única, os pais são óptimas pessoas, não mereciam uma filha tão destrambelhada! Quando souberem que ela quer sair de casa, vai ser um Deus nos acuda! Coitados! Pedi à minha mãe para falar com ela. A minha mãe telefonou-lhe, ouviu-a, ouviu-a, ouviu-a... No fim, a minha mãe perguntou-lhe se podia falar, ela deve ter-se calado, finalmente. A um gesto da minha mãe, saí do escritório. Uma hora depois, a minha mãe chamou-me e passou-me o telefone. A Sara disse-me, tens uma mãe espectacular, por agora não vou sair de casa. Fazes bem, Sara, disse-lhe. Bom Ano Novo! Vemo-nos na escola.
Sabes, Francisco, a Sara vai acabar por sair de casa. Ela acha que por ter 22 anos já é senhora do seu nariz, mas, como a minha mãe diz, ela só será "livre, emancipada, maior...", quando tiver com que se sustentar... E, por isso, é  que ela devia estudar e não andar a meter-se em aventuras, encrencas...


1 comentário:

  1. Os problemas da desmotivação são imensos, não é, Rita?
    Deste aqui uma boa lição dado que a argumentação é de peso!
    Beijinhos, amiga, e bom ano!

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