terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A passagem de Ano


Foi a minha primeira passagem de ano sem a minha família!
Os meus pais deixaram-me ir passar a noite em casa da Carolina. O meu pai não gostou nada da ideia, refilou, refilou, refilou... A Francisca e a minha mãe ajudaram-me a convencê-lo e ele muito a contragosto lá disse um sim muito pouco convicto, juntamente com a hora em que terminaria o feitiço, não à meia-noite, mas às três da manhã.
Preparei-me, levei toda a tarde a mimar-me: banho de espuma, máscaras, cremes, perfume, maquilhagem, roupa de festa, sapatinhos de Cinderela...
A minha irmã ajudou-me na escolha da roupa e na maquilhagem. Às oito e trinta desci as escadas, como uma princesa, seguida pela minha irmã, ambas vestidas a rigor para darmos as boas-vindas ao novo Ano... O meu pai disse logo:
- Acho que exageraste, Rita, sapatos altos?...  Maquilhagem?... Ainda não és crescida o suficiente.
- Eu sei, pai, para ti, vou ser sempre um bebé! - disse, a rir.
Saímos, depois das mil advertências, dos mil avisos, das mil recomendações...
A Francisca deixou-me em casa da Carolina e seguiu para a festa com as amigas e amigos dela.
A Carolina vive numa quinta, o pai cria cavalos, a mãe é ceramista, a irmã da Carolina está a estudar arquitectura em Lisboa e chama-se Raquel.
O jantar decorreu animado, com toda a gente bem-disposta. Os pais da minha amiga são simpáticos e fizeram toda a gente sentir-se em casa...
Foi depois do jantar que chegou a maior parte dos nossos amigos. Havia música, comida, bebida... Dançámos, cantámos, jogámos, contámos anedotas... comemos, bebemos, brindámos...
Um bom bocado depois da meia-noite, já os pais da Carolina se tinham ido deitar, alguns meninos e meninas decidiram beber algumas coisas que tinham levado e a coisa começou a perder a graça... Os excessos acabam sempre mal, diz a minha avó, e, olha, Francisco, ela tem toda a razão! E a verdade, é que alguns engraçadinhos começaram com brincadeiras menos próprias e, quando não aceitávamos, mostravam má cara e chamavam-nos estraga-prazeres, bebés, meninas de colo, de biberão... e outros não muito bonitos. Pouco depois, achei que era altura de regressar a casa e, embora  não tivessem dado ainda as três badaladas, telefonei à minha mãe.
Pedi a um amigo que me levasse para o local que marcara com a minha mãe, mas precipitei-me, era cedo, a minha mãe levaria pelo menos quinze minutos, na melhor das hipóteses, a chegar.
O meu amigo deixou-me ali, na esquina, sozinha, e voltou para a festa... Comecei a entrar em pânico, alguns homens passavam e metiam-se comigo:
- Olá, lindinha, aqui sozinha?
-  Está tanto frio, vem comigo que eu aqueço-te.
Como não lhes ligava, afastavam-se, puxando as golas para cima e apertando ainda mais os casacos, eu encolhia-me toda dentro do agasalho que me parecia escasso para aquele vento frio e húmido. Um grupo de rapazes passou, baixei a cabeça, metendo-a, o mais possível, dentro da gola do casaco, rezando para que eles não metessem conversa, não me vissem e se afastassem... Mas, estavam bêbados e um aproximou-se, tocou-me na cara e disse para os outros:
- Olha que coisinha mais linda aqui sozinha!
Desviei a mão dele com rispidez e afastei-me. Riram-se e olharam de soslaio para mim. Seguiram e pararam ao fundo da rua a conversar e a observar-me...
Estava com medo e a minha mãe não chegava nunca mais... apetecia-me fugir dali, escapar... mas a casa da Carolina ficava para lá do local onde eles estavam e, depois,  tinha de passar perto da mata... As lágrimas estavam prestes a saltarem-me dos olhos, as pernas tremiam-me, o coração batia, batia, batia... De repente, passou-me pela cabeça a cem à hora, como um filme antigo: o rosto da minha mãe sorridente e a sua voz suave e melodiosa a dizer estou quase aí, a Joana a tremer e a contar-me que o pai a tinha violado, o meu primeiro amor, as palavras sempre sábias da minha avó, os olhos bonitos da Francisca, o meu pai, os meus professores, a gata, o cão, a minha casa, o meu quarto, a minha cama...
Despertei, subitamente, com os rapazes ali ao pé de mim a segurarem-me por um braço e a puxarem-me...
De repente, parou um carro... eram os meus pais. A minha mãe saiu disparada, agarrou-me e os rapazes deitaram a fugir, antes que o meu pai lhes desse uma valente sova.
A minha mãe estava branca como a cal e eu tremia ainda, sem conseguir dar um passo... Entrámos as duas, abraçadas, para o banco detrás e desatei num pranto nunca visto. Quando fiquei mais calma, contei o que se tinha passado. Levei um raspanete de todo o tamanho por ter abandonado a festa e ter ficado ali sozinha e o meu pai só gritava, completamente fora de si:
- Que raio de amigos são os teus que te deixam sozinha, de madrugada, na rua?
Chegámos a casa, fui para o quarto, arranjei-me e deitei-me. A minha mãe veio dar-me um copo de leite e um beijo e disse:
- Posso imaginar a tua aflição, Rita!... Nunca mais faças uma coisa destas, quando o teu amigo voltou para a festa, devias ter ido com ele, nós íamos lá buscar-te...
- Ó mãe, tive tanto medo, tu não podes imaginar! – disse, com as lágrimas a escorrerem-me pela cara.
- Enganas-te, sei exactamente o que sentiste... amanhã conto-te... Agora dorme...
Francisco, não sei o que é que a minha mãe me vai contar, mas só pode ser uma coisa muito grave...

1 comentário:

  1. Uma grande imprevidência... talvez ditada pela ingenuidade (tua e do teu amigo).
    Beijo, querida amiga.

    ResponderEliminar