Foi a minha primeira passagem de ano sem a minha
família!
Os meus pais deixaram-me ir passar a noite em casa da
Carolina. O meu pai não gostou nada da ideia, refilou, refilou, refilou... A
Francisca e a minha mãe ajudaram-me a convencê-lo e ele muito a contragosto lá
disse um sim muito pouco convicto, juntamente com a hora em que terminaria o
feitiço, não à meia-noite, mas às três da manhã.
Preparei-me, levei toda a tarde a mimar-me: banho de
espuma, máscaras, cremes, perfume, maquilhagem, roupa de festa, sapatinhos de Cinderela...
A minha irmã ajudou-me na escolha da roupa e na
maquilhagem. Às oito e trinta desci as escadas, como uma princesa, seguida pela
minha irmã, ambas vestidas a rigor para darmos as boas-vindas ao novo Ano... O
meu pai disse logo:
- Acho que exageraste, Rita, sapatos altos?...
Maquilhagem?... Ainda não és crescida o suficiente.
- Eu sei, pai, para ti, vou ser sempre um bebé! -
disse, a rir.
Saímos, depois das mil advertências, dos mil avisos,
das mil recomendações...
A Francisca deixou-me em casa da Carolina e seguiu
para a festa com as amigas e amigos dela.
A Carolina vive numa quinta, o pai cria cavalos, a
mãe é ceramista, a irmã da Carolina está a estudar arquitectura em Lisboa e
chama-se Raquel.
O jantar decorreu animado, com toda a gente
bem-disposta. Os pais da minha amiga são simpáticos e fizeram toda a gente
sentir-se em casa...
Foi depois do jantar que chegou a maior parte dos
nossos amigos. Havia música, comida, bebida... Dançámos, cantámos, jogámos,
contámos anedotas... comemos, bebemos, brindámos...
Um bom bocado depois da meia-noite, já os pais da
Carolina se tinham ido deitar, alguns meninos e meninas decidiram beber algumas
coisas que tinham levado e a coisa começou a perder a graça... Os excessos
acabam sempre mal, diz a minha avó, e, olha, Francisco, ela tem toda a razão! E
a verdade, é que alguns engraçadinhos começaram com brincadeiras menos próprias
e, quando não aceitávamos, mostravam má cara e chamavam-nos estraga-prazeres,
bebés, meninas de colo, de biberão... e outros não muito bonitos. Pouco depois,
achei que era altura de regressar a casa e, embora não tivessem dado
ainda as três badaladas, telefonei à minha mãe.
Pedi a um amigo que me levasse para o local que
marcara com a minha mãe, mas precipitei-me, era cedo, a minha mãe levaria pelo
menos quinze minutos, na melhor das hipóteses, a chegar.
O meu amigo deixou-me ali, na esquina, sozinha, e
voltou para a festa... Comecei a entrar em pânico, alguns homens passavam e
metiam-se comigo:
- Olá, lindinha, aqui
sozinha?
- Está tanto frio, vem comigo que eu aqueço-te.
Como não lhes ligava,
afastavam-se, puxando as golas para cima e apertando ainda mais os casacos, eu
encolhia-me toda dentro do agasalho que me parecia escasso para aquele vento
frio e húmido. Um grupo de rapazes passou, baixei a cabeça, metendo-a, o mais
possível, dentro da gola do casaco, rezando para que eles não metessem conversa,
não me vissem e se afastassem... Mas, estavam bêbados e um aproximou-se,
tocou-me na cara e disse para os outros:
- Olha que coisinha
mais linda aqui sozinha!
Desviei a mão dele
com rispidez e afastei-me. Riram-se e olharam de soslaio para mim. Seguiram e
pararam ao fundo da rua a conversar e a observar-me...
Estava com medo e a
minha mãe não chegava nunca mais... apetecia-me fugir dali, escapar... mas a
casa da Carolina ficava para lá do local onde eles estavam e, depois, tinha de passar perto da mata... As lágrimas
estavam prestes a saltarem-me dos olhos, as pernas tremiam-me, o coração batia,
batia, batia... De repente, passou-me pela cabeça a cem à hora, como um filme
antigo: o rosto da minha mãe sorridente e a sua voz suave e melodiosa a dizer
estou quase aí, a Joana a tremer e a contar-me que o pai a tinha violado, o meu
primeiro amor, as palavras sempre sábias da minha avó, os olhos bonitos da
Francisca, o meu pai, os meus professores, a gata, o cão, a minha casa, o meu
quarto, a minha cama...
Despertei,
subitamente, com os rapazes ali ao pé de mim a segurarem-me por um braço e a
puxarem-me...
De repente, parou um
carro... eram os meus pais. A minha mãe saiu disparada, agarrou-me e os rapazes
deitaram a fugir, antes que o meu pai lhes desse uma valente sova.
A minha mãe estava
branca como a cal e eu tremia ainda, sem conseguir dar um passo... Entrámos as
duas, abraçadas, para o banco detrás e desatei num pranto nunca visto. Quando
fiquei mais calma, contei o que se tinha passado. Levei um raspanete de todo o
tamanho por ter abandonado a festa e ter ficado ali sozinha e o meu pai só
gritava, completamente fora de si:
- Que raio de amigos
são os teus que te deixam sozinha, de madrugada, na rua?
Chegámos a casa, fui para o quarto, arranjei-me e
deitei-me. A minha mãe veio dar-me um copo de leite e um beijo e disse:
- Posso imaginar a tua aflição, Rita!... Nunca mais
faças uma coisa destas, quando o teu amigo voltou para a festa, devias ter ido
com ele, nós íamos lá buscar-te...
- Ó mãe, tive tanto medo, tu não podes imaginar! –
disse, com as lágrimas a escorrerem-me pela cara.
- Enganas-te, sei exactamente o que sentiste... amanhã
conto-te... Agora dorme...
Francisco, não sei o que é que a minha mãe me vai
contar, mas só pode ser uma coisa muito grave...
Uma grande imprevidência... talvez ditada pela ingenuidade (tua e do teu amigo).
ResponderEliminarBeijo, querida amiga.