O tio da Joana veio trazê-la cá a casa. A minha mãe abriu a porta, quando eu vinha a descer as escadas a toda a velocidade... O sr. Manuel trazia uma mochila na mão e a Joana um casaco e a mala a tiracolo. Subimos as duas as escadas a correr, enfiámo-nos no meu quarto, atirámos os sapatos para um canto e sentámo-nos na cama, de pernas cruzadas, viradas uma para a outra, como fazíamos antes... Olhámo-nos e desatámos a rir... Parecia que o tempo não tinha passado... Ali estávamos a rir como loucas sem ter de quê!... Demos as mãos e começámos a soletrar uma canção que nos tinham ensinado na escola e que cantámos as duas muitas vezes nas festas da escola... Começámos a cantar muito afinadinhas e, depois, de repente, desatámos a gritar e a desafinar e a rir que nem umas perdidas...
Bateram à porta, a minha mãe abriu, espreitou e disse:
- Joana, o teu tio veio entregar-te a mochila e despedir-se!
Saltámos da cama e despedimo-nos do senhor Manuel que sorridente atirou um portem-se bem...
A minha mãe disse que ia preparar um lanchinho e fechou a porta. Fechada a porta, voltámos a sentar-nos, frente a frente, em cima da cama, a rir.
- Conta-me tudo! - pedi à Joana.
- Adoro o Alentejo, Évora é uma cidade linda! Tu sabes, já lá tínhamos ido nas visitas do Clube do Património...
- E o Miguel? Tens uma fotografia para eu ver? Vá lá, vá lá, mostra-me... Que giro! Ele é mesmo "muita" giro, Joana! Como o conheceste, conta tudo, tudo, quero saber tudinhooooo...
- Ora bem, Rita, ele anda na minha escola, a Elsa é minha colega e prima do Miguel, apresentou-nos... Um dia, ia à consulta do psicólogo e a Elsa e o Miguel acompanharam-me, fomos a conversar todo o caminho, o Miguel também tinha andado numas consultas de psicologia, por causa de uns problemas com o padrasto... Depois, a Elsa começou a dar desculpas que não podia ir, que o Miguel me acompanhava, eu dizia que não era preciso, que sabia ir sozinha, ele que não, ela que o primo tinha razão em não me deixar ir sozinha...
- E depois? Avança mais um bocadinho... Olha, já pareço o Francisco que é muito impaciente e quer logo saber os "finalmente"...
- O Francisco? Quem é o Francisco? É o teu namorado, Joana?
- Não, não! Continua tu, depois falo-te do Francisco...
- Meninas, venham lanchar! - chamou a minha irmã.
O lanche foi animado, a minha mãe fez crepes e chocolate quente. A Francisca estava bem-disposta e nem estava a praguejar contra o mestrado, nem contra os trabalhos que tem de fazer, nem contra os livros que tem para ler... O meu pai estava contente por rever a Joana e claro que lhe perguntou como ia a Matemática e os estudos... Depois do lanchinho ajudámos a arrumar a cozinha e fomos ver um filme todos, em família. Depois, jantámos...
De volta ao quarto e advertidas de que a noite era para dormir... Voltámos à nossa conversa.
- Rita, o Miguel também passou muito com o padrasto, ele batia-lhe e à mãe e ao irmão e até à avó, uma senhora idosa e incapacitada, desloca-se numa cadeira de rodas. A mãe quis separar-se por diversas vezes, mas ele ia sempre atrás dela e dos filhos e ameaçava-os e agredia-os... Era uma vida de medo! O Miguel decidiu ir à polícia fazer queixa do padrasto, a situação ainda se arrastou durante um tempo, tribunal para cá, tribunal para lá... Mas, entretanto, tudo se resolveu e a mãe conseguiu a separação... O Miguel contou-me toda a sua história, tem umas cicatrizes num braço que o padrasto lhe fez com um cinto: ele para defender o irmão e a avó, pôs-se à frente e o homem totalmente enraivecido, bateu-lhe tanto que a fivela o deixou cheio de golpes e a sangrar... Algumas feridas eram bem profundas e ele ficou com algumas cicatrizes.
- Bem, coitado! Ele há gentinha tão má!
- Pois há, Rita, e o mais triste é que aqueles que nos deviam defender, são os que muitas vezes nos fazem mal!
- Pronto, Joana, não penses nisso, já passou!
- Ainda não passou e não sei se alguma vez vai passar... Mas, passando à frente!... Um dia, o Miguel disse que gostava de mim e eu achei que lhe devia contar a razão das consultas de psicologia. Ele disse que não tinha de contar nada, mas eu insisti... Sabes, Joana, eu gosto do Miguel, gosto mesmo muito!... Não queria que a nossa relação fosse edificada sobre mentiras, dúvidas, mal-entendidos, palavras por dizer... Por isso, contei-lhe tudo! Depois, perguntei-lhe se ainda gostava de mim e ele beijou-me tão ternamente, parecia que tinha medo de me quebrar... Foi lindo!
- Vamos dormir, Joana?
- E o Francisco?
- Ah! O Francisco é o meu diário.
- Sério, Rita, sempre levaste essa coisa do diário para a frente? E o teu diário tem nome? Gosto do nome do teu amigo diário!
- Vou apagar a luz! Dorme bem, Joana!
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