terça-feira, 18 de dezembro de 2012

E a tempestade caiu violenta!

A Francisca chegou, seguida pelo meu pai e por um rapaz alto, de cabelos castanhos e olhos cor de avelã. Ao abrir a porta, vi logo uma quantidade de nuvens negras a pairar sobre a cabeça da minha irmã. O meu pai estava cá com uma cara! Parecia que estava zangado com o mundo inteiro! O rapaz alto queria mostrar que estava tudo bem, mas, lá no fundo, lá bem no fundo, não estava nada a correr bem. Ele bem tentava sorrir e aparentar uma serenidade que estava longe, muito longe, bem longe de existir... O sorriso saía-lhe meio atravessado da boca carnuda e bem desenhada... A minha mãe surgiu da cozinha com o seu sorriso generoso e bonito, mas, ao olhar aquele quadro, o sorriso caiu e escaqueirou-se em mil pedaços na tijoleira da entrada. Vai ser difícil juntar os cacos e colá-los, pensei.
Tentei acalmar o clima tempestuoso:
- Mana, fizeste boa viagem?
A voz do meu pai surgiu como o rugir de um trovão, elevado ao quadrado:
- Ela fez boa viagem, sim. Mas a viagem,  aqui, do rapazinho ainda não terminou...
A minha irmã parecia que ia explodir a qualquer momento, os olhos, muito brilhantes, queriam saltar-lhe das órbitas, da cara. As lágrimas pareciam estar ali mesmo à espreita, prontas para desabarem em cascata... O rapaz, de nariz empinado, continuava com as malas na mão... A minha mãe não estava a perceber nada e eu também não!
- Mas, o Carlos não vinha passar cá o fim-de-semana? - perguntou a minha mãe, tranquilamente, com aquela voz melodiosa, capaz de aplacar qualquer procela.
- Vinha... dizes bem! Vinha, pretérito imperfeito, tão imperfeito como ele... - explodiu o meu pai, furioso.
- Que aconteceu? Será que me podem explicar o que se está a passar ou o que se passou no trajecto do carro para casa, nesses escassos 10 metros? - pediu a minha mãe.
- O que se passa é a pouca educação que dás às tuas filhas. É isso que se passa, nem mais, nem menos...
Eu já sabia que o meu pai ia culpar a minha mãe!
Quando temos boas notas, as minhas filhas são a minha alegria, o meu orgulho; quando alguém nos enaltece ou lhe fala da nossa educação exemplar, as minhas filhas têm princípios, valores, berço... Quando algo não corre como o senhor números primos e compostos, raízes quadradas, equações de vários graus... acha que deveria correr, somos filhas da minha mãe. 
Bem, eu até prefiro ser parecida com a minha mãe e a Francisca, de certeza, que também prefere!
E sabes o que aconteceu, afinal, Francisco? 
A minha irmã vinha a caminho de casa, já ali na subida. O Carlos trouxe o carro dele, o da minha irmã ficou em Lisboa, era ele quem vinha a conduzir. Pararam e estavam a beijar-se, quando o meu pai passou por eles. O Sr. equações diferenciais fez marcha atrás, estacionou ao lado do carro deles e fez uma cena: mandou a minha irmã sair do carro e entrar no dele e ao Carlos disse que desse meia-volta e desaparecesse...
O rapaz ignorou e seguiu o meu pai até aqui, é que a mala da Francisca tinha ficado no carro dele. Ele não podia levar a mala, está bem de ver...
- Só fazem figurinhas tristes no meio da rua - dizia o meu pai. - E que raio de educação deste às tuas filhas? - acusava a minha mãe. 
- Estás a fazer essa tempestade toda por causa de uns beijinhos dentro do carro? - perguntou a minha mãe, a rir.
- Eu sou a única pessoa com bom-senso nesta casa? Só falta achares bem que durmam na mesma cama, no mesmo quarto... - atirava o meu pai.
- Ora bem, Carlos, traz a tua mala, vou mostrar-te o teu quarto...
O Carlos seguiu a minha mãe, a Francisca pegou na mala dela e subiu a escada em direcção ao seu quarto. O meu pai ficou no meio da sala a vociferar...
A Sra. eufemismo esteve a suavizar  o Sr. raíz cúbica e, passado algum tempo, tudo estava, na paz de Deus, a jantar e a conversar como se nada se tivesse passado.
O que é que a minha mãe falou com o meu pai? Pois, Francisco, não faço a menor ideia, mas é sempre assim, ela consegue sempre amaciar o  meu pai: deve ser a subjetcividade feminina a cair implacável sobre o concreto, o real masculino.
Francisco, depois, conto-te o que achei do Carlos, o namorado da minha mana.


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