quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

É aos dezoito anos que chega a liberdade!?...


Francisco, quando a minha irmã fez dezoito anos, houve uma discussão cá em casa que nem te passa pela cabeça. A minha irmã manteve-se calada ontem, por causa dessa briga. Tu bem viste que só os olhos dela, aflitos e suplicantes, falavam, gritavam desesperados!
Ainda me lembro de tudo como se tivesse acontecido há dois ou três dias.
- Tenho dezoito anos, tenho o direito de viver a minha vida como muito bem entender – disse a Francisca altiva.
- E vais viver de quê? – perguntou-lhe a minha mãe, mais curiosa do que preocupada.
E eu ia pensando: ai se o pai chega agora!
É que o meu pai quer sempre tudo muito bem explicadinho!... Ou então, não!... Parecia já estar a ouvi-lo: ó minha amiguinha, enquanto viveres debaixo deste tecto, fazes o que eu mando...
E o meu receio concretizou-se, o meu pai chegou logo e nós nem demos por ele, deve ter entrado pela garagem. E foi logo dizendo da sua justiça, sem esperar, ao menos, que o puséssemos ao corrente da situação. Só me lembro da sua voz de trovão atrás de mim:
- Filha minha não sai de casa sem a minha autorização. Ah, mas se saíres por aquela porta, menina, não voltas a entrar, ouviste bem?
Sobressaltámo-nos, a minha irmã quase deu um pulo, mas recompôs-se logo,  encolhendo os ombros, como que a dizer, fala, fala, vai falando...
Desde que a Francisca fez os seus dezoito anos que o ar estava pesado, irrespirável, as discussões sucediam-se... Porquê? Não sei. Ela andava sempre a dizer que aos dezoito é que era, aos dezoito é que chegava a liberdade, aos dezoito é que se dava o seu 25 de Abril... E os meus pais sorriam: o pai trocista, a mãe comedida.
A minha irmã achava que tinha chegado a hora de levantar voo, de ser livre, e sentia que lhe queriam cortar as asas.
Como fomos todas apanhadas desprevenidas, a minha mãe e a Francisca calaram-se. Aí, o Sr. raiz quadrada não se conteve e atacou a Sra. Interjeição:
- Fala, grita, esperneia... Que raio de mãe me saíste também! Anda um homem a educar uma filha para isto?
- Para isto o quê? – perguntava a Francisca, meio espantada com o rumo da conversa.
Eu olhava para os três, sem perceber. Afinal, a minha irmã não disse que ia sair de casa, mas o meu pai deve ter percebido que ela queria partir... Sei lá! Sei que se gerou uma confusão de todo o tamanho, a discussão entre o meu pai e a minha irmã.
A minha mãe para pôr um ponto final na conversa deles, falou baixinho (uma técnica que usa nas aulas, quando quer transmitir algo, mas os alunos estão todos a falar!):
- Muito bem, mantive-me calada e ouvi o que um e outro disseram. Agora chegou a minha vez de falar...
- Também, já não era sem tempo! Agora vê lá se, pelo menos uma vez, ficas do meu lado e pões algum juizinho na cabeça da tua filha.
- Amanhã, Francisca, amanhã, quero conversar contigo. Hoje estamos todos muito exaltados...
- Tenho de esperar até amanhã para saber o que de tão importante tens para me dizer? Ó mãe, não acredito que ainda vais remoer o assunto esta noite e só amanhã é que me dizes alguma coisa.
- Olha lá, a miúda tem razão!
- Não me chames miúda, tu sabes que eu detesto que me chames miúda, garota, criança...
- Pois, já sei que és crescida e responsável, responsável e crescida, muito crescida e muito responsável...
O dia amanheceu cinzento, mas o sol tinha de brilhar. A minha mãe tinha de falar com a Francisca. Não dormi a noite inteira. Virei-me e revirei-me. Pensei e repensei. Parecia que era eu que tinha de meter juízo na cabeça da Francisca. Ela era tão teimosa como o pai, e a mãe sabia-o, oh, se sabia, sabia também que à menor dificuldade, a sua linda filhinha correria para debaixo das suas asas... Aliás, tinha a certeza disso, por isso, para quê entrar em conflito, barafustar, gritar, agitar as águas já tão turvas... Mas, lá no fundo, muito lá no fundo, eu tinha medo... e a minha mãe também, de certeza.
- Mãe, desembucha, não tenho a vida toda! - impacientava-se a Francisca.
- Pois não, e os dezoito anos esgotam-se, voam, esfumam-se num piscar de olhos, não é? Só tenho duas questões a pôr-te.
Olharam-se, a minha maninha tremeu ligeiramente e pestanejou nervosa.
- Quero apenas saber o que é para ti ter dezoito anos e como pensas então viver essa liberdade que dizes ter a partir desta linda idade? Quando tiveres a resposta, diz-me. Ah! E ao contrário do que pensas, tens todo o tempo do mundo para pensares na resposta...
- Ó mãe, mas eu não quero sair de casa, o pai é que começou com aqueles disparates todos...
- Eu sei, fofinha, eu até sei bem o que queres e o que não queres! Eu conheço-te bem! Mas, apesar disso,  preciso que sejas tu a dizer-mo!
A minha mãe dirigiu-se para o escritório, onde a esperava uma resma de testes para corrigir, ouvi os passos da minha irmã escada acima e à hora do jantar estávamos todos à mesa, como sempre, sorridentes, a contar como nos correra o dia e a dizer um monte de disparates. A borrasca passou. Não se falou mais no assunto!
O que é que a Francisca respondeu à minha mãe? Não sei! Conversaram no jardim, sentadas lado a lado, vi-as da varanda, mas não consegui ouvir a conversa, ouvi-as rir e, nessa altura, fui ter com elas. Sentei-me ao colo da minha mãe, abracei-a e à minha maninha... Ficámos abraçadas as três a rir e a dizer parvoeiras até cairmos do banco para a relva. O meu pai chegou e disse, é assim que gosto de ver as minhas meninas!


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