sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Mãe, tu vais morrer?



Querido Francisco, não tenho tido tempo nenhum para ti! Também, diga-se de passagem, não tenho tido grandes novidades. Nem grandes nem pequenas, aliás!
A minha mãe tem andado sorumbática, tristonha,  fica sempre assim quando vai fazer aqueles exames médicos... 
Há mais de dez anos que assim é!
Era pequena e, numa dada altura, não percebia muito bem, por que razão ela passava de estados de alegria a estados de tristeza tão profundos, assim, de repente, do nada. Era estranho, ela era sempre tão alegre, raramente se zangava e, quando isso acontecia, logo a seguir era uma risada pegada, abraços e beijos...
Lembro-me de a ver a chorar às escondidas! Quando me via ou dava por mim, limpava as lágrimas às costas das mãos e dava desculpas: estive a descascar cebolas, entrou-me um cisco para o olho, as lentes já não devem estar muito boas... À minha frente tentava sempre mostrar-se alegre. Agora sei que aquilo era tudo fita, tudo para inglês ver. Mesmo quando me parecia feliz, parecia que havia umas nuvens a pairar-lhe sobre os olhos verdes. Engraçado! Naquela altura, a minha mãe tinha uns olhos tão verdes, mas tão verdes que se olhasse para os campos secos decerto que os tornaria verdejantes só de os olhar... Agora sei, que aquele verde era de tanto chorar! E andou assim uns dias, a chorar, a esconder as lágrimas, triste... Um dia, perguntei-lhe:
- Mãe, tu vais morrer?
Ela olhou-me nos olhos, pegou-me ao colo, roçou a cara húmida na minha e disse-me com o sorriso mais bonito e luminoso que eu já vi:
- Não, não vou, é que não vou mesmo!
E foi como se tivesse ressurgido das cinzas! Levou-me ao colo para o quarto, pediu-me que lhe escolhesse uma roupa bonita, que íamos ao cabeleireiro, depois comer um gelado ou um bolo e marcar uns exames. Isso de marcar uns exames não percebi o que era, mas não devia ser nada de muito importante! 
Ela vestiu o vestido que eu escolhi, calçou os sapatos que eu escolhi, usou a mala que eu escolhi. Pintou os lábios com o batom que eu escolhi e pintou os olhos da cor que eu escolhi. Não sei se tudo aquilo combinava, mas eu estava tão feliz por ajudar a minha mãe a pôr-se mais linda ainda!
E lá fomos!
Depois, lembro-me de irmos à praia todos os dias de manhã: eu, a minha irmã e a minha mãe. Apanhávamos sol, íamos ao banho, passeávamos à beira-mar, apanhávamos conchinhas e pedrinhas, almoçávamos e, depois, voltávamos para casa. À tarde, a minha mãe ia fazer aqueles exames. 
Foi um Verão espectacular!
No fim de Agosto, a minha mãe foi a Lisboa a um hospital. Fomos todos: os meus avós (pais da minha mãe), o meu pai, eu e a minha irmã. Eu brincava com a minha irmã, ao fundo da sala vazia, ao pé dos meus avós. Não percebia por que razão estavam todos com aquele ar apreensivo. A minha mãe estava sentada a uma mesa e o meu pai, em frente, do outro lado, tinham os cotovelos em cima da mesa e brincavam com as mãos um do outro e olhavam-se. A minha mãe ria, o meu pai ensaiava um sorriso que, por mais que tentasse, não lhe estava a sair nada bem! 
Veio uma enfermeira com uma bata azul, espreitou e voltou para trás. A minha mãe sobressaltou-se. Pouco depois, voltou a surgir a mesma enfermeira que desapareceu de novo, sem nada dizer. Entretanto, regressou acompanhada de um médico de bata branca que se dirigiu logo à minha mãe. A enfermeira pediu desculpa ao médico, porque pensava que a doente era uma pessoa mais velha... 
As minhas orelhas pareciam antenas, apercebi-me que iam levar a minha mãe e corri para ela, agarrei-me com toda a força às suas pernas a gritar não sei o quê. A minha mãe baixou-se, pegou-me ao colo, beijou-me os olhos de onde me saltavam as lágrimas e disse-me a sorrir:
- Não chores, a mãe vai só tirar uma borbulha. Amanhã já vou para casa.
Agarrei-me ao seu pescoço como se fosse uma âncora, comecei a pensar nos dias em que ela chorava e chorava e chorava e tive medo, tive medo de não voltar a vê-la.
No outro dia, ela veio para casa e eu queria ver onde era o dói-dói da borbulha. Era na mama. Ela tinha um penso grande no seio esquerdo. 
Vou jantar, Francisco, depois conto-te o resto.

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