Formados os grupos, sem incidentes nem amuos, dispusemos as mesas e ficámos à espera de directrizes...
- Meninos, vamos trabalhar Fernando Pessoa e Camões, Mensagem e Os Lusíadas. Vou dar-vos as indicações...
- Professora, podemos fazer em Power Point?
- Sim. A apresentação dos trabalhos fica ao vosso critério...
A professora distribuiu os temas pelos grupos. Ao nosso grupo calhou "O herói em Os Lusíadas e Mensagem".
A Linda ficou sentada à minha frente, entre o Gonçalo e o André. Nunca estive tão perto dela! Começámos a fazer o plano do trabalho. Ela começou a dar a sua opinião e arrepiei-me, quando os meus olhos ficaram presos na bolinha prateada que ela tinha cravada na língua... Ela ia falando e a bola subia e descia! Os meus olhos começaram a percorrer-lhe o rosto, na bochecha, numa covinha, uma bolinha preta horrorosa, em torno da orelha direita uma quantidade de argolinhas prateadas de vários tamanhos, na orelha esquerda uns bicos negros, no nariz um brilhante do lado direito, por baixo do lábio inferior uma argola preta. Que horror! Pensei. Como é que alguém se pode mutilar assim? Ela falava e eu não ouvia nada, só via a bolinha subir e descer, aparecer e desaparecer...
- Rita! - gritou o Gonçalo. - Que achas da ideia da Linda.
- Acho, acho, acho bem!
- Estás bem, Rita, parece que viste um fantasma! - disse o André a rir.
- Deixa de ser parvinho!
Não conseguia concentrar-me, os meus olhos saltitavam de um lado para o outro, do cabelo preto azulado e completamente desalinhado para os olhos muito pintados de preto, para a boca, um buraco sombrio, para a bola, para as orelhas, para o nariz, para a covinha entre o lábio e o queixo, para a bochecha, para a roupa fúnebre, para a cara cheia de base escura de mais, para as mãos com umas unhas longas e pontiagudas, pintadas de negro... Tanto negro, tanto buraco, comecei a sentir-me mal, cada piercing fazia-me arrepiar, estremecer, a minha cabeça divagava longinquamente... De repente, levantei-me e pedi à professora para sair.
- Estás bem, Rita? - perguntou. - Estás tão pálida!
- Tenho de ir lá fora, estou mal-disposta, professora!
A Margarida saiu comigo.
Francisco, eu não vou conseguir fazer o trabalho com a Linda à minha frente, ela é horrível, consegue ser mais assustadora do que uma personagem do Walking Dead.
Regressámos à aula, troquei de lugar com a Margarida, fiquei de lado, assim não precisava de ver aquele espectro da morte à minha frente.
- Rita, só tu é que ainda não deste qualquer parecer em relação ao trabalho. Que achas?
A voz da Linda soou-me melodiosa, doce... A primeira vez que falou, na última aula, a sua voz pareceu-me ameaçadora! Só agora me apercebi do tom jovial e doce da sua voz!
A professora começou a dizer que só dava mais uma aula de noventa minutos para fazermos o trabalho, que se não chegasse, teríamos de nos juntar na Biblioteca ou no lugar que nos conviesse mais.
Temos quinze dias ao todo para fazermos o trabalho, depois seguem-se as apresentações...
A aula terminou, a Linda desapareceu, ficámos nós à conversa com a professora.
Francisco, a professora quer que nos aproximemos da Linda e que percebamos por que razão ela se apresenta assim. A Margarida diz que foi um trauma qualquer, que ela se esconde debaixo daquela capa negra... O André diz que ela é feia e que ainda se faz mais feia e que o nome dela só prejudica:
- Vejam só, uma pessoa chama-se Linda, mas é feia, não consegue viver com essa realidade e faz-se mais feia ainda.
O Gonçalo riu-se a bandeiras despregadas da teoria do André e ainda atiçou mais a fogueira:
- Cá para mim, o único responsável é mesmo o nome dela, se se chamasse Ana, Inês, Bruna... podia ser feia à vontade, ninguém ligava... O problema é uma pessoa feia ter um nome que é a sua antítese. Todo o mundo goza: Olha que Linda tão feia! Onde estava o teu pai com a cabeça, quando te deu esse nome?
Não sei se conseguiremos ir a algum lado. Cá em casa, a Francisca continua a insistir que fará milagres com a Linda feia!
E perturbante...
ResponderEliminarMas deve ser boa rapariga... veremos.
Um beijo.