Ele há gentinha muito parvinha, Francisco! Foi o que pensei de dois dos meus colegas, mas depois...
Vou contar-te o que sucedeu na aula com a DT. A professora avisou-nos que a nossa turma iria receber mais uma aluna. Eu pensei logo: esta turma parece mais um terminal do aeroporto, está sempre a sair e a entrar gente! Mas, mantive-me calada e atenta à explicação da professora. Era preciso acolhermos a colega da melhor maneira, uma vez que era a terceira escola que ela frequentava este ano. Não tinha conseguido integrar-se nas duas escolas por onde passou.
Chama-se Linda.
O Gonçalo e o André disseram logo que já estavam a ver qual era o problema da Linda... A professora mandou-os calar, mas eles continuaram, atrás de mim, a cochichar e a rir. Deve ser feia, feia, feia..., como diz a minha irmã da bruxa da história que a minha avó lhe conta, e o nome não condiz com a personagem... Aí, desatou tudo a gozar com ela, parece que já estou a ver o filme, dizia o Gonçalo. Virei-me para trás e atirei-lhe um olhar fulminante, tiraram-me a língua e riram-se.
- Ó professora, não tem a fotografia da nova colega para vermos se ela é mesmo linda! - disse o André, arrancando uma gargalhada a alguns colegas.
Esta atitude valeu-lhe um valente raspanete! A professora não foi nada meiga, nada mesmo! Terminou o discurso, dizendo que não admitia que alguém troçasse da colega. Mas, o Gonçalo insistia:
- Era bom sabermos como ela é, para não haver surpresas!
A professora acabou por dizer que não sabia como era a colega, que só sabia da vinda dela para a turma e rematou a conversa com um, ora vamos lá trabalhar!
No fim da aula, a professora ainda disse que esperava que a turma recebesse bem a Linda e que a fizesse sentir-se em casa.
O André armou-se em chico esperto e disse trocista:
- Ó professora, aqui na turma quem é a Nossa Senhora dos aflitos e dos desprotegidos é a Rita.
- A santa Rita! - afirmava, muito senhor de si, o Gonçalo, piscando-me o olho.
Dei-lhe um empurrão e desatámos a rir.
- Com que então santa Rita, eu já te dou a santa!
No dia seguinte, Francisco, estávamos na aula de Matemática, quando bateram à porta. O professor abriu e a funcionária trazia consigo a Linda. Ficámos todos a olhar! A Linda estava vestida de preto da cabeça aos pés. Parecia um corvo! O cabelo muito preto, pintado, e totalmente desgrenhado, os olhos eram um borrão negro, os lábios e as unhas pintados também de preto. Uma saia comprida, uma camisola larga e grossa, de malha, cheia de tachas, umas botas horrendas, desapertadas, uns cintos que se cruzavam pela anca e pela cintura, um cachecol enrolado ao pescoço... Até o professor ficou especado a olhar, não dizendo palavra. Olhávamos a rapariga, totalmente estupefactos... Por fim, acordámos, com a voz da funcionária a dizer: é a aluna nova, foi a DT que me mandou trazê-la à aula. O professor apontou um lugar vazio e nós continuávamos de bocas e olhos muito abertos. O professor começou a fazer perguntas à nova aluna, mas confesso-te, Francisco, não sei o que ele perguntou nem o que ela respondeu... Só pensava, ela precisa de tomar um grande banho, tirar aquele manto negro com que se cobre e vestir-se e pentear-se como qualquer pessoa da nossa idade. O Gonçalo ia gaguejando:
- Mas, isto é muito pior do que eu pensava!
E o André concordava, acenando a cabeça, incrédulo. E de repente, deixou sair um:
- Ai, Santa Rita, nos valha!
E foi um riso pegado, o professor bem tentava manter-se sério! Eu olhava para a rapariga, para o André, para o professor que não estava a perceber a razão daquele ai tão grande, nem o que tinha a santa Rita a ver com aquela situação...
- Creio que a santa Rita, desta vez, não pode fazer nada!... - disse eu com o ar mais desconsolado que podia haver.
O professor olhava-me inquiridor. E o Gonçalo deixou escapar:
- Isto é bem pior do que eu imaginava, é que nem dá para ver se ela é linda ou feia! Parece uma bruxa, a bruxa da história da minha irmã.
A rapariga não ouviu, manteve-se quieta no lugar.
Agora, Francisco, não sei como vai ser, não me parece que a turma a vá aceitar, ela mete medo, pior, a Margarida disse logo que ela devia ter piolhos e que lhe metia nojo...
Hoje, ninguém falou com ela, todos se afastaram e eu também não consegui aproximar-me dela. Vamos ver como vai ser o dia de amanhã, ainda bem que temos logo ao primeiro tempo aulas com a DT.
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