Estás contente por me veres? Eu também estou feliz por estar aqui contigo.
Como vão as aulas? Bem. Os meus colegas? Ah, esses têm dias: dias em que se portam mais ou menos, dias em que se portam pior, dias em que nem vale a pena falar... Os professores? Uns mais desanimados; outros vão trabalhando com picos de humor, altos e baixos, estás a ver?; outros nada os abala ou parece não abalar, aparecem sempre com o seu mais belo sorriso e fazem das tripas coração para ver se tudo dá certo: exasperam, quando não respondemos acertadamente; rejubilam, quando estamos dentro da matéria e quando "fazemos bonito", como diz a Victória, uma colega brasileira que entrou há pouco tempo para a turma.
A minha turma continua a ser mais concorrida, ao nível de chegadas e partidas do que o terminal do aeroporto de Lisboa, como dizia a nossa DT o ano passado. Quanto a isso, nada mudou: há sempre alguém que se foi embora, há sempre alguém que acabou de chegar.
Novidades? A DT pregou um valente raspanete aos meninos "armados aos cucos" e às "meninas metidas a bestas", segundo a nova colega.
O Paulo decidiu roubar os telemóveis a todos os incautos e fazê-los desaparecer, foi um ar que lhes deu. A par dos telemóveis, foi dinheiro, ipads, consolas, óculos de sol... Tudo o que caiu na rede do Paulo era peixe.
Como aconteceu uma coisa destas?
Francisco, a professora já tinha avisado que não levássemos coisas muito valiosas para as aulas, que levássemos telemóveis velhos, só para estarmos contactáveis, os outros valores eram para ficar em casa. O pessoal adora desfilar com o seu iphone novo, o seu ipad do último modelo, a consola portátil mais fixe do mundo e dos arredores, o relógio da marca x... Enfim, chegavam a troçar daqueles que não levavam para a escola os seus objectos de maior valor.
O Paulo, quando era chamado ao quadro, levava todo o "arsenal" consigo: telemóvel e ipad pendurados no pescoço, consola... Algumas coisas, colocava-as na secretária da professora. Depois, acabado o exercício, recolhia tudo e ia para o seu lugar. Ele lá sabia porquê.
Fomos à Biblioteca assistir a uma conferência sobre a violência, deixámos tudo na sala, a professora fechou a porta à chave e levou-a consigo. A palestra duraria 45 minutos, depois regressaríamos à sala, porque a aula era de 90 minutos.
Não sei como, o Paulo saiu da Biblioteca, entrou na sala e limpou tudo o que havia de valor. Ninguém deu pela sua saída nem entrada. Quando regressámos à sala, foi a professora quem abriu a porta... Uma vez, sentados, estivemos a conversar um pouco sobre a conferência e... de repente... começou tudo a queixar-se: uns que lhe faltava dinheiro, outros não tinham os telemóveis... Faltava isto e aquilo. A professora começou a dizer que era impossível faltar alguma coisa, pois tinha sido ela a fechar e a abrir a porta e toda a gente viu e houve até quem confirmasse... Gerou-se uma confusão dos diabos, começaram a desconfiar uns dos outros, a apontar a, b e c. A professora pediu a todos que se sentassem e pregou-nos um sermão daqueles de "caixão à cova". Tudo apontava para o Paulo, houve até quem o visse sair da Biblioteca, tendo regressado pouco depois. Ele desculpou-se, dizendo que fora à casa-de-banho. A professora perguntou-lhe "com ordem de quem é que saíste da palestra?" Ele embatucou. Os olhos da professora pareciam querer sair-lhe das órbitas, enormes, verdíssimos. Estava tudo em silêncio, só se ouvia a voz da professora. Ela estava zangada, zangadíssima, e eu, Francisco, vê tu, a pensar, mesmo a ralhar, mesmo quase a gritar connosco, a professora tem uma voz lindíssima, mais bonita só a da minha mãe...
Agora, Francisco, vais ficar pasmado com o que aconteceu. A professora dirigiu-se ao Paulo e disse-lhe:
- Tens dez minutos para entregar tudo o que levaste daqui, depois, chamo a polícia.
Nós pensámos que ele ia barafustar e dizer que não tinha nada a ver com o desaparecimento de coisa nenhuma. Mas não! Ele levantou-se, saiu da sala. Pensámos, vai-se embora e não volta...
A professora começou a dar aula como se nada tivesse acontecido.
Bateram à porta, a professora olhou para o relógio, sorriu, foi abrir a porta. Era o Paulo. Trazia um saco com todos os haveres dos colegas. Despejou tudo na secretária da professora. Tudo voltou para os seus donos. Faltavam apenas alguns telemóveis. A professora olhou para ele com aquele olhar interrogativo. Ele foi ao caixote do lixo e trouxe os objectos mais humildes. Entregou-os. Chegou a hora da saída. A professora, mais uma vez, falou que aquelas "coisas caras" eram para ficar em casa. Alguns e algumas quiseram argumentar com a professora... Mas esta rematou, dizendo que da próxima vez que tal acontecesse não moveria um dedo, uma palha, para que lhes fossem restituídos os seus pertences. Saímos e a professora fez sinal ao Paulo. O Paulo ficou para trás, nós fomos para a aula de Matemática. O Paulo chegou 15 minutos atrasado e estava com cara de quem tinha estado a chorar...
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