sábado, 11 de janeiro de 2014

O 2.º período está a começar bem, está!

As aulas já recomeçaram, Francisco, e a minha turma decidiu começar em grande.
Estávamos no intervalo grande. Tínhamos estado na conversa no bar. Falámos sobre as férias, sobre as notas, enfim, estávamos contentes com o recomeço das aulas. Tocou, eu e mais cinco colegas dirigimo-nos para a sala de aula. A professora chegou logo com o seu grande sorriso. Sentámo-nos, escrevemos o sumário, corrigimos o trabalho de casa. Éramos sete: quatro alunas, dois alunos e a professora. Ela olhou para o relógio várias vezes e, por fim,  perguntou onde estavam os outros alunos. Encolhemos os ombros. 
- Bem, vou fazer a chamada, já passa mais de um quarto de hora...
Fez a chamada, marcou falta aos vinte e dois alunos que não estavam e pediu-nos que abríssemos o livro.
De repente, ouviu-se um barulho lá fora, no corredor. Abriram a porta com força e entraram ao molho dentro da sala e aos empurrões. A professora zangou-se e mandou-os sair. Nós dissemos:
- Já têm falta!...
Eles saíram, como entraram, aos berros e aos empurrões. Foram-se. A professora fechou a porta e prosseguiu com a aula. 
Tinham decorrido uns dez ou quinze minutos, quando bateram à porta da sala. A professora foi abrir e deparou-se com uma senhora de estatura média e um homenzarrão enorme e forte, os pais do Ricardo.
- Queremos falar consigo - disse a mãe do meu colega.
- Desculpe, mas agora não posso, estou a dar aula.
- Queremos perguntar-lhe por que razão está a dar aula somente a cinco alunos? - perguntou, com maus modos,  o brutamontes do pai do Ricardo.
- São seis alunos - respondeu calmamente a professora.
- Ou seis. A senhora não deixou os outros alunos entrar porquê? - questionou a mãe do meu colega.
- Porque chegaram muito atrasados... Mas, eu não vou falar com os senhores agora. Estou a dar uma aula. Bom dia!
A professora fechou a porta, deixando-os lá fora a praguejar. Nós ouvíamo-los, apesar de não conseguirmos perceber o que diziam.
A professora ficou nervosa e nós tentámos acalmá-la.
Francisco, o Ricardo, como a professora não o deixou entrar, telefonou aos pais e os pais, em vez de perguntarem ao filho o que se tinha passado, correram para a escola para pedirem satisfações à professora. 
Mas a história não acabou assim! Os pais do Ricardo foram à procura da DT e fizeram queixa da professora, disseram-lhe que a professora, além de não deixar os alunos entrarem na sala de aula, era uma mal-educada e que a DT tinha de a pôr no lugar, de abrir um processo contra ela... Que não queriam ver o filho com falta à disciplina, porque se ele não estava na aula, foi porque a professora não o deixou entrar... E que ficavam à espera de saber o que ia ser feito contra a professora por causa daquela "história", que "aquilo não ia ficar assim, isso é que não ia, que ela não sabia com quem se tinha metido"...
A DT estava passada, branca, eles os dois aos gritos no corredor, a professora a pedir que se acalmassem e a tentar levá-los para a sala de atendimento aos encarregados de educação. As funcionárias não sabiam o que fazer. Os alunos saíam das várias salas e ficavam por ali a assistir àquela confusão...
Contei à minha mãe e ela perguntou-me:
- Como é que os pais vão bater à porta da sala de aula? Os funcionários da portaria deixaram-nos entrar porquê? Os pais só podem entrar para ir à secretaria, falar com o DT, com a Direcção, não podem ir bater à porta das salas de aula, interromper aulas... 
A minha mãe tem razão, mas a verdade é que eles entraram na escola, bateram à porta, importunaram a professora, interromperam a nossa aula e fizeram e disseram o que lhes deu na cabeça.
Enfim, Francisco, o segundo período está a começar bem!

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Onde é que a Sara se enfiou?

Ó Francisco, estou preocupadíssima com a Sara! Outra vez? Sim, outra vez, Francisco. Claro que não tenho idade para ser mãe dela, tu dizes cada uma! Eu conto-te, foi para isso que vim ter contigo, para desabafar, para me dares uma ajuda, sei lá!
A mãe telefonou para cá, para falar com a Sara. Quem atendeu o telefone foi a minha maninha. Já sabes como ela é, estava ensonada, não deve ter sido muito simpática... Respondeu à senhora: Aqui não há Sara nenhuma! A mãe da minha colega deve ter insistido e a Francisca tornou: Ó minha senhora, é engano,  já lhe disse que aqui não vive nem está Sara nenhuma. Bom dia. Bom ano. E desligou a resmungar. O telefone voltou a tocar. Eu ia para pegar no auscultador, mas a minha mãe atendeu do quarto dela. Adormeci momentaneamente. Acordei com a minha mãe a mexer-me no cabelo: Rita, sabes onde está a Sara? Esbugalhei os olhos de espanto! Não sei. Em casa dela. Só então percebi que a Sara, que a minha irmã dizia não estar ali, era a SARA! Rita, a mãe dela está farta de lhe ligar para o telemóvel! E ela não atende. Ela disse que vinha passar o fim de ano contigo, por isso, a mãe telefonou para cá.
- Ó mãe, eu não combinei nada com a Sara. Ela mentiu à mãe! Caramba, ela é completamente doida.
- A mãe pensava que ela estava aqui, a senhora ficou sem conseguir dizer palavra. Rita, telefona à Sara.
Peguei no telemóvel e liguei-lhe. Chamou, chamou, chamou... e nada.
- Ela não atende.
- Onde é que essa miúda se enfiou?
- Não sei, mãe!
- Estará com o namorado?
- No momento, ela não tem namorado nenhum... Que eu saiba! E agora?
- A mãe diz que vai esperar mais um pouco e depois vai à polícia. Bem, vamos dormir mais um bocado, se conseguirmos! Mais tarde, volta a ligar-lhe!
Disse que sim com a cabeça e mergulhei a cabeça na minha almofada fofinha. Não consegui dormir mais. Fartei-me de pensar onde é que ela poderia estar. De repente, lembrei-me do professor de condução, mas afastei logo essa ideia. Não. Ela não é tão parva assim! Ela não se ia meter outra vez com esse tipo! Voltei a telefonar mais um cento de vezes, voltei a não obter resposta. Acabei por adormecer e sonhar com a Sara, aflita, presa não sei onde; com o professor de condução, sorridente, a piscar-lhe o olho e a fazer-lhe boquinhas; com a mãe da Sara, a torcer as mãos, nervosa; com a minha irmã a refilar, a refilar e a refilar; com a minha mãe a pedir que me lembrasse de algo, de alguma pista, que nos pudesse levar à Sara; com o meu pai a dizer: "Essa menina precisa é de uns açoites bem dados!"...
Acordei a transpirar e cansada com a voz da minha mãe a chamar:
- Venham almoçar, já é tardíssimo!
Ao almoço, o tema da conversa foi a Sara. Todos nos perguntávamos, onde estará a destrambelhada da Sara?
A Francisca disse-me para telefonar às minhas colegas, às que se dão também com a Sara... podia ser que elas soubessem alguma coisa.
- Essa tua amiga não é boa da cabeça, Rita! Então, ela diz lá em casa que vem passar o fim de ano contigo e não te diz nada.
- Ela não me disse nada, Francisca, porque já sabia que eu não ia concordar com o esquema. Ela foi para qualquer lado, sabe-se lá com quem e, para a mãe a deixar ir, disse que vinha para nossa casa. 
- Não percebo é o silêncio dela, devia ter atendido o telefone. A mãe ia com certeza ligar-lhe...
- Ó mãe, às tantas tem o telefone no silêncio ou ficou sem bateria!
Francisco, estávamos nesta conversa, quando a campainha soou. O meu pai foi abrir a porta e do outro lado, toda sorridente, estava a Sara. Irrompeu pela casa, foi ter connosco à cozinha e disse quase aos gritos:
- Estou metida num grande sarilho, Rita!
Ficámos todos a olhar para ela, completamente surpreendidos, abismados: a minha irmã deixou cair a colher no prato e levou a mão à boca, para não deixar sair alguma asneira, com certeza; A minha mãe, com uns olhos enormes, olhava-a, olhava-me, olhava o meu pai que ficou encostado à ombreira da porta a abanar a cabeça.
- Onde estiveste? - perguntei.
- Isso não interessa agora, tinha o telefone no silêncio e, quando vi, tinha milhares de chamadas não atendidas: a minha mãe ligou vezes sem conta, tu ligaste e deixaste mensagens... Eu tinha dito à minha mãe que estaria aqui!
- A tua mãe ligou para cá e já sabe que não passaste cá a noite! - disse a Francisca. - Sabes, o melhor é contares onde e com quem estiveste. A tua mãe, entretanto, vai ligar à polícia. Meteste-te numa bela embrulhada.
- Ó Rita, posso falar contigo a sós?
Olhei para a minha mãe e ela assentiu. Fomos para o escritório.
- Sara, telefona à tua mãe e diz-lhe que estás aqui e que depois lhe contas o que aconteceu, não vá ela ligar para a polícia.
Ela ligou à mãe, que estava tudo bem, que estava cá em casa, que depois lhe contava o que sucedera, que não estivesse preocupada... A mãe disse-lhe que a vinha buscar.
Queres saber por onde ela andou? Pois, eu também queria. Não, Francisco, ela não me disse. E mais, disse-me que ia dizer à mãe que ela tinha percebido mal, que não era comigo que vinha passar a noite, era com outra Rita.
Outra Rita? Há outra Rita, vossa amiga? Claro que não, Francisco, não há outra Rita, só eu!
Bem, a mãe da Sara chegou, ela pegou nas coisas e foi-se e eu estou aflita, será que as coisas se vão resolver. Ela disse que me telefonava, mas até agora nada.
Ela é grande, que se cuide?! Só tu me fazias rir, Francisco. Tens razão. Se ela me ligar, ligou; se não ligar, não ligou. Olha, vou ler!