segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A mais bonita história do mundo!


Depois do jantar, aninhei-me de novo no colo do meu pai. A Francisca encostou-se à minha mãe. Estávamos prontas, Francisco, para ouvir, então, a mais bonita história do mundo!

Estava no café com um grupo de amigos a beber cerveja e a comer tremoços. Ríamos com os mil disparates contados à vez, as centenas de anedotas... De repente, olhei para a porta, entrava um grupo de jovens, raparigas e rapazes, estudantes, pela certa... E os meus olhos esvoaçantes pousaram na menina mais bonita do grupo, do mundo, do universo...
- Não é para ti! – disse-me, batendo no meu ombro, o meu colega do lado.
- É que não é mesmo! – insistiu o meu primo, vendo o meu olhar pregado no rosto daquela princesa. É que se era verdade que existiam princesas bonitas, ali estava a prova: aquela menina era uma princesa, era uma princesa das histórias que li e ouvi, quando era garoto...
Sentaram-se do lado oposto, por sorte, ela ficara virada para mim, procurava-lhe os olhos grandes, mas eles voejavam de colega para colega, para o empregado que estava a atender o grupo, para o livro que tinha entre as mãos esguias... E nunca, mas nunca, descansaram sobre o meu olhar suplicante que chamava, chamava...
Os meus amigos riam-se e diziam qualquer coisa, mas tudo me soava, vindo de muito longe... Por fim, abanaram-me:
- Acorda, homem, parece que viste uma alma do outro mundo!
- É deste mundo e está mesmo ali, mas parece-me completamente inatingível...
Chamaram o empregado, pagaram e levantaram-se. Ergui-me também, atirei com um paguem a minha parte, isto deve chegar e arremessei umas quantas moedas para cima da mesa...
Queria seguir o grupo, não queria perdê-la de vista... Meti-me no carro e rezei para que não se metessem por portas travessas, por onde eu não poderia passar de carro. Perdi-lhes o rasto, meteram-se por uma viela de sentido proibido, e tive de ir dar a volta... Apanhei-os a entrar no Parque da cidade, estacionei e galguei os degraus... Lá ia ela a conversar com uma amiga gordinha, rodeada de uns tantos colegas. Mas, os meus olhos não se soltavam daquela silhueta esbelta e loura...
Entraram num café onde os estudantes faziam uns bailes para angariar fundos para uma viagem de finalistas. Comprei o bilhete e segui o grupo animado que se juntava a uns tantos amigos... Entre beijinhos e abraços, pulos, risos contidos, gargalhadas sonoras, lá estava a minha deusa sorridente, a minha princesa...
Olhei o ambiente e procurei um lugar de onde a pudesse observar sem ser visto. E ali fiquei a olhá-la completamente extasiado: o corpo perfeito, os gestos, o cabelo dourado, o rosto bonito,  o riso aberto, o sorriso luminoso, os olhos grandes e verdes ornados de longas pestanas...
A música era ensurdecedora, mas eu não a ouvia, só adivinhava o riso dela.
Por fim, aproximei-me e convidei-a para dançar. Nunca tinha ouvido um não tão sonoro! E insisti e insisti e ela nem me olhava e bombardeava-me com uma quantidade louca de recusas. Nunca um não me tinha soado tão bem! Que voz meiga! Que voz sensual! Que voz melodiosa! Era a voz mais bonita que tinha ouvido!
Eu tinha de a ter nos meus braços, ela tinha de me conceder uma dança... Mas, ela já nem me deixava perguntar, respondia logo com um não rotundo!
Tinha de me fazer notar, ela dizia não sem sequer me olhar: coloquei-me de joelhos à sua frente, segurei-lhe a mão, que ela procurava tirar, e pedi-lhe pela enésima vez que dançasse comigo. Recusou, riu nervosamente. Toda a gente, à nossa volta,  parou de dançar para ver aquele inusitado espectáculo. Envergonhada, tentou sair dali e eu segui-a de gatas pela sala, pedindo insistentemente uma dança, só uma...
- Deixa-me em paz! – dizia ela, já impaciente.

-Oh, pai, não acredito, tu fizeste mesmo isso? – perguntou a Francisca incrédula.
- E a mãe, a mãe foi dançar contigo, pai? Foste, mãe? – perguntava eu, curiosa e ansiosa, olhando ora para um ora para o outro.
- Vá lá, Rita, deixa o pai contar o resto! – pediu a minha maninha, que antes me chamou bebé, mas agora também estava entusiasmada com a história dos nossos pais.
- A vossa mãe voltou a recusar...

Ela sacudia-me nervosamente e irritada e eu continuava a andar de gatas atrás dela...

- Que vergonha, pai! – exclamava a Francisca.
- Que bonito! – dizia eu.

Entretanto, toda a sala estava a olhar para nós: eu, de gatas, a andar atrás dela ou, de joelhos, a pedir-lhe uma dança... De repente, a música parou e todos desataram a gritar:
- Dança, dança, dança...
Levantei-me, enlacei-a pela cintura, puxei-a para mim e ela deixou-se levar... Ah! Esqueci-me de vos dizer, mas tinha combinado com o rapazinho que punha os discos, a música que ele deveria pôr, quando a vossa mãe aceitasse, por fim, dançar comigo...

- A sorte do vosso pai foi não ser um pé de chumbo! – disse a minha mãe a sorrir.

- Não é uma história linda, Francisco!







domingo, 20 de janeiro de 2013

Conta-me uma história!




Francisco,


Hoje, não houve luz e como tal não houve computador para ninguém, não houve televisão, aparelhagem... nem sequer telemóveis... 
Acendemos a lareira e umas quantas velas... O ambiente estava muito agradável! Estávamos todos na sala, sentados no sofá, a conversar, em frente à lareira, cada um com um chocolate quente, na mão, a fumegar, perfumado e espesso, de sabor intenso... 
Leitura à luz das velas? Também não! Impossível. As letras, pequenas formiguinhas incansáveis, bailavam de um lado para o outro infatigáveis, não dando descanso aos nossos olhos que piscavam e piscavam a ver se conseguiam reter uma a uma as palavras que teimavam não parar de se mover, coradas, de cores rubras, a tremeluzir nas páginas cor de sépia...
- Pai, conta-me uma história!
Todos olharam para mim, como se estivesse a pedir a lua, o sol, os planetas todos, toda a galáxia...
- Rita, és mesmo um bebé! – exclamou a Francisca, algo distraída, com as labaredas a dançarem-lhe nos olhos grandes.
A minha mãe sorriu apenas. Não há sorriso mais lindo no mundo do que o da minha mãe! Quando ela sorri, sorri toda: principalmente os olhos.
Sentei-me ao colo do meu pai e insisti:
- Conta-me uma história! Conta-me como conheceste a mãe.
O meu pai sorriu e disse:
-Ah, essa é a mais linda história do mundo! 
- Pois é, meninos! Mas primeiro temos de ir preparar qualquer coisa para o jantar que hoje vai ser à luz das velas! - rematou a minha mãe.
- Vamos assar a carne na lareira? - perguntou a Francisca. 
- Pois, não há luz! - Concordámos em uníssono. 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Uma história horrível


Francisco, a minha mãe acabou de me contar uma história horrível que se passou com ela, vou narrar-ta na primeira pessoa, tal como ma contou:

Tinha 22 anitos. Um horário misto: diurno e nocturno. Turmas de 10.º e 11.º anos. Quinta-feira à noite. Dia de selecção na televisão. Dia livre à sexta-feira, preenchida com aulas na Faculdade. Os meus alunos do 11.º ano decidiram brindar-me com uma folga. Mais importante do que a aula de Francês era, com certeza, o jogo da selecção. Entrei na sala vazia, esperei, esperei... Apareceu uma rapariguinha pouco mais velha do que eu a avisar-me que estavam todos no café a ver o bendito jogo. Escrevi o sumário, saí, fechei a porta, arrumei o livro de ponto e decidi não esperar pelos meus pais que iam todos os dias, à noite, buscar-me à escola. Meti-me a caminho. No dia seguinte, tinha Expresso às 6 horas e 30 minutos para Lisboa e um dia repleto de aulas. Era da maneira que ia mais cedo para a caminha! A escola fica a cerca de 500 metros da casa dos meus pais. Não se via ninguém na rua. Quase a meio do caminho, senti um arrepio e abotoei o casaco. Olhei para trás, um indivíduo vinha lá ao fundo, muito ao fundo. Descansei. Pensei, outro que saiu mais cedo!... Alarguei o passo, tinha pressa de chegar a casa. Não sei porquê, mas estava com medo! Voltei a cara para trás, sem alterar a passada, e reparei que o indivíduo ganhara terreno... Também está com pressa! Faltavam uns metros para chegar a casa dos meus tios, que dista uns 50 metros da casa dos meus pais. Apressei ainda mais o passo e o medo também! Olhei pelo canto do olho. O homem de camisola cor de tijolo estava cada vez mais perto. Bastava, agora, atravessar a estrada para chegar a casa dos meus tios. Ouvia agora os passos do individuo. Alarmada, pedia a Deus: Por favor, deixa-me chegar ao portão! Ao portão! Ao portão! Corri e o homem correu atrás de mim. Lancei-me ao portão e agarrei-me, como a uma tábua de salvação. A camisola cor de tijolo agarrou-me por trás, tapou-me a boca com a mão enluvada e pressionava-me com algo pontiagudo nas costas. Senti o seu hálito quente e nojento no meu ouvido: se fizeres tudo o que te disser, não te faço mal. Puxava-me com força para eu soltar o portão e eu agarrava-me com todas as minhas forças. O portão oscilava e fazia barulho por causa dos puxões... As luzes acenderam-se, a chave rodou na fechadura, o indivíduo largou-me e fugiu. Eu caí na lama, junto ao amontoado das pedras da calçada (andavam a fazer os passeios). O meu tio surgiu, saltou por cima de mim, e correu atrás do indivíduo. A minha tia acudiu-me, no momento em que os meus pais iam a passar para me irem buscar à escola. Junto a mim, ficara caída a navalha de ponta e mola que o homem me apontara às costas. Eu tremia que nem varas verdes em dia de vendaval. A vizinhança apareceu toda ali. Pouco depois, surgiu o meu tio com o desgraçado. Já lhe tinha dado uma boa coça. Levámo-lo ao posto da polícia. Apresentei queixa. Ficou detido. Foi julgado tempos depois e apanhou nove anos de prisão... Já tinha violado algumas professoras e alunas com horário nocturno... Nenhuma tinha apresentado queixa por vergonha, talvez! Eu fui a única, mas todas apareceram no posto da polícia, quando souberam que o individuo tinha sido apanhado e ia ser julgado... Identificaram-no também...
Ainda hoje, tenho algum medo de sair, à noite, sozinha. Ainda hoje, olho mil vezes para trás quando vou na rua sozinha...

Francisco, eu estava siderada a ouvir esta história! Agora compreendo a aflição da minha mãe, quando pulou do carro para me acudir!
Sim, Francisco, se os meus pais se tivessem atrasado mais um pouco, eu não sei o que podia ter acontecido... Sim, tens razão, ambas as histórias são horríveis e podiam ter acabado muito mal...

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A passagem de Ano


Foi a minha primeira passagem de ano sem a minha família!
Os meus pais deixaram-me ir passar a noite em casa da Carolina. O meu pai não gostou nada da ideia, refilou, refilou, refilou... A Francisca e a minha mãe ajudaram-me a convencê-lo e ele muito a contragosto lá disse um sim muito pouco convicto, juntamente com a hora em que terminaria o feitiço, não à meia-noite, mas às três da manhã.
Preparei-me, levei toda a tarde a mimar-me: banho de espuma, máscaras, cremes, perfume, maquilhagem, roupa de festa, sapatinhos de Cinderela...
A minha irmã ajudou-me na escolha da roupa e na maquilhagem. Às oito e trinta desci as escadas, como uma princesa, seguida pela minha irmã, ambas vestidas a rigor para darmos as boas-vindas ao novo Ano... O meu pai disse logo:
- Acho que exageraste, Rita, sapatos altos?...  Maquilhagem?... Ainda não és crescida o suficiente.
- Eu sei, pai, para ti, vou ser sempre um bebé! - disse, a rir.
Saímos, depois das mil advertências, dos mil avisos, das mil recomendações...
A Francisca deixou-me em casa da Carolina e seguiu para a festa com as amigas e amigos dela.
A Carolina vive numa quinta, o pai cria cavalos, a mãe é ceramista, a irmã da Carolina está a estudar arquitectura em Lisboa e chama-se Raquel.
O jantar decorreu animado, com toda a gente bem-disposta. Os pais da minha amiga são simpáticos e fizeram toda a gente sentir-se em casa...
Foi depois do jantar que chegou a maior parte dos nossos amigos. Havia música, comida, bebida... Dançámos, cantámos, jogámos, contámos anedotas... comemos, bebemos, brindámos...
Um bom bocado depois da meia-noite, já os pais da Carolina se tinham ido deitar, alguns meninos e meninas decidiram beber algumas coisas que tinham levado e a coisa começou a perder a graça... Os excessos acabam sempre mal, diz a minha avó, e, olha, Francisco, ela tem toda a razão! E a verdade, é que alguns engraçadinhos começaram com brincadeiras menos próprias e, quando não aceitávamos, mostravam má cara e chamavam-nos estraga-prazeres, bebés, meninas de colo, de biberão... e outros não muito bonitos. Pouco depois, achei que era altura de regressar a casa e, embora  não tivessem dado ainda as três badaladas, telefonei à minha mãe.
Pedi a um amigo que me levasse para o local que marcara com a minha mãe, mas precipitei-me, era cedo, a minha mãe levaria pelo menos quinze minutos, na melhor das hipóteses, a chegar.
O meu amigo deixou-me ali, na esquina, sozinha, e voltou para a festa... Comecei a entrar em pânico, alguns homens passavam e metiam-se comigo:
- Olá, lindinha, aqui sozinha?
-  Está tanto frio, vem comigo que eu aqueço-te.
Como não lhes ligava, afastavam-se, puxando as golas para cima e apertando ainda mais os casacos, eu encolhia-me toda dentro do agasalho que me parecia escasso para aquele vento frio e húmido. Um grupo de rapazes passou, baixei a cabeça, metendo-a, o mais possível, dentro da gola do casaco, rezando para que eles não metessem conversa, não me vissem e se afastassem... Mas, estavam bêbados e um aproximou-se, tocou-me na cara e disse para os outros:
- Olha que coisinha mais linda aqui sozinha!
Desviei a mão dele com rispidez e afastei-me. Riram-se e olharam de soslaio para mim. Seguiram e pararam ao fundo da rua a conversar e a observar-me...
Estava com medo e a minha mãe não chegava nunca mais... apetecia-me fugir dali, escapar... mas a casa da Carolina ficava para lá do local onde eles estavam e, depois,  tinha de passar perto da mata... As lágrimas estavam prestes a saltarem-me dos olhos, as pernas tremiam-me, o coração batia, batia, batia... De repente, passou-me pela cabeça a cem à hora, como um filme antigo: o rosto da minha mãe sorridente e a sua voz suave e melodiosa a dizer estou quase aí, a Joana a tremer e a contar-me que o pai a tinha violado, o meu primeiro amor, as palavras sempre sábias da minha avó, os olhos bonitos da Francisca, o meu pai, os meus professores, a gata, o cão, a minha casa, o meu quarto, a minha cama...
Despertei, subitamente, com os rapazes ali ao pé de mim a segurarem-me por um braço e a puxarem-me...
De repente, parou um carro... eram os meus pais. A minha mãe saiu disparada, agarrou-me e os rapazes deitaram a fugir, antes que o meu pai lhes desse uma valente sova.
A minha mãe estava branca como a cal e eu tremia ainda, sem conseguir dar um passo... Entrámos as duas, abraçadas, para o banco detrás e desatei num pranto nunca visto. Quando fiquei mais calma, contei o que se tinha passado. Levei um raspanete de todo o tamanho por ter abandonado a festa e ter ficado ali sozinha e o meu pai só gritava, completamente fora de si:
- Que raio de amigos são os teus que te deixam sozinha, de madrugada, na rua?
Chegámos a casa, fui para o quarto, arranjei-me e deitei-me. A minha mãe veio dar-me um copo de leite e um beijo e disse:
- Posso imaginar a tua aflição, Rita!... Nunca mais faças uma coisa destas, quando o teu amigo voltou para a festa, devias ter ido com ele, nós íamos lá buscar-te...
- Ó mãe, tive tanto medo, tu não podes imaginar! – disse, com as lágrimas a escorrerem-me pela cara.
- Enganas-te, sei exactamente o que sentiste... amanhã conto-te... Agora dorme...
Francisco, não sei o que é que a minha mãe me vai contar, mas só pode ser uma coisa muito grave...