sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O namorado

A minha irmã apresentou-nos, pela primeira vez, um namorado: o Carlos.
O Carlos é bonito, alto, simpático, ri-se facilmente, tem uma voz agradável, algo cantante e muito sensual. Anda a estudar medicina e preocupa-se com o meio ambiente e por questões sociais, é muito crítico em relação ao governo...
O meu pai acha-o antipático, com voz efeminada, "não deve ser muito sério, é um fala-barato e pensa que é engraçado e intelectual"...
Como vês, Francisco, o meu pai não morre de amores por ele! Ah, e não faz nada para disfarçar a sua antipatia!
A minha mãe é especial, já sabes, nunca critica à nossa frente, não diz nem mal nem bem. Sorri à minha irmã, quando ela lhe pergunta o que acha do namorado! Mas, eu ouvia-a dizer ao meu pai que a forma de incentivar e incendiar o namoro da minha mana é mostrarem-se completamente contra e dizerem mal do actual namorado ou de qualquer namorado que ela arranje... O meu pai não concordou, claro!
A minha irmã está e não está apaixonada!
Não me percebes? Eu explico-te, Francisco!
Eu penso que a Francisca está deslumbrada, o Carlos é um rapaz muito bonito, é interessante, bem-humorado, inteligente... Um bocadinho convencido, para o meu gosto! Devias ouvi-lo a falar da família, da quinta que têm no Cartaxo, nos cavalos, na tia, na mãe, no pai que é um grande cavaleiro... Ao almoço, fartou-se de falar de si, da sua família, dos seus projectos, do que gostava, do que não gostava... 
A minha irmã, no início da conversa, sorria, mas, depressa, começou a ficar incomodada, eu bem vi os olhos dela a piscarem aflitos... Começou a dizer-lhe que comesse, que a comida ia esfriar e ele sorria-lhe, punha a mão em cima da dela e continuava a falar...
Não creio que este namoro dure muito, a não ser que o meu pai critique, critique e critique... A Francisca é muito teimosa e orgulhosa e se o meu pai insistir para que ela "mande às favas" o Carlos, ela vai fazer precisamente o contrário.
Ela não gostou nada das gabarolices, eu vi que não, foi como se algo se quebrasse.
Ao jantar, no dia anterior, ele tinha sido simpático, contido, falou pouco, respondeu somente a algumas perguntas e trocou vários olhares cúmplices com a minha irmã... 
Ah, achei graça, quando ele disse como imaginava a sua futura mulher! Repara, será amiga, submissa, apaziguadora, trabalhadora, sorridente, sempre bonita e disponível para ele... Que quando se casasse seria para sempre e que casaria para ter uma vida melhor e não pior do que a que tinha...
Eu acho que abri muito os olhos e a boca, porque a minha mãe sorriu, deu-me uma cotovelada e empurrou-me o queixo para cima.
A verdade é que dei comigo a pensar, esta não é a Francisca, ele está completamente enganado, coitado! Não estou nada a ver a minha irmã submissa e sempre disponível para ele... Hum, ele não está mesmo a ver o calibre da minha linda maninha! 
Vamos ver como corre este namoro, mas quer-me parecer que não dura até à Páscoa.
Na segunda-feira de manhã, regressaram a Lisboa, mas, ou eu me engano muito ou a Francisca não ia tão decidida e convicta em relação ao Carlos como quando chegou.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

É aos dezoito anos que chega a liberdade!?...


Francisco, quando a minha irmã fez dezoito anos, houve uma discussão cá em casa que nem te passa pela cabeça. A minha irmã manteve-se calada ontem, por causa dessa briga. Tu bem viste que só os olhos dela, aflitos e suplicantes, falavam, gritavam desesperados!
Ainda me lembro de tudo como se tivesse acontecido há dois ou três dias.
- Tenho dezoito anos, tenho o direito de viver a minha vida como muito bem entender – disse a Francisca altiva.
- E vais viver de quê? – perguntou-lhe a minha mãe, mais curiosa do que preocupada.
E eu ia pensando: ai se o pai chega agora!
É que o meu pai quer sempre tudo muito bem explicadinho!... Ou então, não!... Parecia já estar a ouvi-lo: ó minha amiguinha, enquanto viveres debaixo deste tecto, fazes o que eu mando...
E o meu receio concretizou-se, o meu pai chegou logo e nós nem demos por ele, deve ter entrado pela garagem. E foi logo dizendo da sua justiça, sem esperar, ao menos, que o puséssemos ao corrente da situação. Só me lembro da sua voz de trovão atrás de mim:
- Filha minha não sai de casa sem a minha autorização. Ah, mas se saíres por aquela porta, menina, não voltas a entrar, ouviste bem?
Sobressaltámo-nos, a minha irmã quase deu um pulo, mas recompôs-se logo,  encolhendo os ombros, como que a dizer, fala, fala, vai falando...
Desde que a Francisca fez os seus dezoito anos que o ar estava pesado, irrespirável, as discussões sucediam-se... Porquê? Não sei. Ela andava sempre a dizer que aos dezoito é que era, aos dezoito é que chegava a liberdade, aos dezoito é que se dava o seu 25 de Abril... E os meus pais sorriam: o pai trocista, a mãe comedida.
A minha irmã achava que tinha chegado a hora de levantar voo, de ser livre, e sentia que lhe queriam cortar as asas.
Como fomos todas apanhadas desprevenidas, a minha mãe e a Francisca calaram-se. Aí, o Sr. raiz quadrada não se conteve e atacou a Sra. Interjeição:
- Fala, grita, esperneia... Que raio de mãe me saíste também! Anda um homem a educar uma filha para isto?
- Para isto o quê? – perguntava a Francisca, meio espantada com o rumo da conversa.
Eu olhava para os três, sem perceber. Afinal, a minha irmã não disse que ia sair de casa, mas o meu pai deve ter percebido que ela queria partir... Sei lá! Sei que se gerou uma confusão de todo o tamanho, a discussão entre o meu pai e a minha irmã.
A minha mãe para pôr um ponto final na conversa deles, falou baixinho (uma técnica que usa nas aulas, quando quer transmitir algo, mas os alunos estão todos a falar!):
- Muito bem, mantive-me calada e ouvi o que um e outro disseram. Agora chegou a minha vez de falar...
- Também, já não era sem tempo! Agora vê lá se, pelo menos uma vez, ficas do meu lado e pões algum juizinho na cabeça da tua filha.
- Amanhã, Francisca, amanhã, quero conversar contigo. Hoje estamos todos muito exaltados...
- Tenho de esperar até amanhã para saber o que de tão importante tens para me dizer? Ó mãe, não acredito que ainda vais remoer o assunto esta noite e só amanhã é que me dizes alguma coisa.
- Olha lá, a miúda tem razão!
- Não me chames miúda, tu sabes que eu detesto que me chames miúda, garota, criança...
- Pois, já sei que és crescida e responsável, responsável e crescida, muito crescida e muito responsável...
O dia amanheceu cinzento, mas o sol tinha de brilhar. A minha mãe tinha de falar com a Francisca. Não dormi a noite inteira. Virei-me e revirei-me. Pensei e repensei. Parecia que era eu que tinha de meter juízo na cabeça da Francisca. Ela era tão teimosa como o pai, e a mãe sabia-o, oh, se sabia, sabia também que à menor dificuldade, a sua linda filhinha correria para debaixo das suas asas... Aliás, tinha a certeza disso, por isso, para quê entrar em conflito, barafustar, gritar, agitar as águas já tão turvas... Mas, lá no fundo, muito lá no fundo, eu tinha medo... e a minha mãe também, de certeza.
- Mãe, desembucha, não tenho a vida toda! - impacientava-se a Francisca.
- Pois não, e os dezoito anos esgotam-se, voam, esfumam-se num piscar de olhos, não é? Só tenho duas questões a pôr-te.
Olharam-se, a minha maninha tremeu ligeiramente e pestanejou nervosa.
- Quero apenas saber o que é para ti ter dezoito anos e como pensas então viver essa liberdade que dizes ter a partir desta linda idade? Quando tiveres a resposta, diz-me. Ah! E ao contrário do que pensas, tens todo o tempo do mundo para pensares na resposta...
- Ó mãe, mas eu não quero sair de casa, o pai é que começou com aqueles disparates todos...
- Eu sei, fofinha, eu até sei bem o que queres e o que não queres! Eu conheço-te bem! Mas, apesar disso,  preciso que sejas tu a dizer-mo!
A minha mãe dirigiu-se para o escritório, onde a esperava uma resma de testes para corrigir, ouvi os passos da minha irmã escada acima e à hora do jantar estávamos todos à mesa, como sempre, sorridentes, a contar como nos correra o dia e a dizer um monte de disparates. A borrasca passou. Não se falou mais no assunto!
O que é que a Francisca respondeu à minha mãe? Não sei! Conversaram no jardim, sentadas lado a lado, vi-as da varanda, mas não consegui ouvir a conversa, ouvi-as rir e, nessa altura, fui ter com elas. Sentei-me ao colo da minha mãe, abracei-a e à minha maninha... Ficámos abraçadas as três a rir e a dizer parvoeiras até cairmos do banco para a relva. O meu pai chegou e disse, é assim que gosto de ver as minhas meninas!


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

E a tempestade caiu violenta!

A Francisca chegou, seguida pelo meu pai e por um rapaz alto, de cabelos castanhos e olhos cor de avelã. Ao abrir a porta, vi logo uma quantidade de nuvens negras a pairar sobre a cabeça da minha irmã. O meu pai estava cá com uma cara! Parecia que estava zangado com o mundo inteiro! O rapaz alto queria mostrar que estava tudo bem, mas, lá no fundo, lá bem no fundo, não estava nada a correr bem. Ele bem tentava sorrir e aparentar uma serenidade que estava longe, muito longe, bem longe de existir... O sorriso saía-lhe meio atravessado da boca carnuda e bem desenhada... A minha mãe surgiu da cozinha com o seu sorriso generoso e bonito, mas, ao olhar aquele quadro, o sorriso caiu e escaqueirou-se em mil pedaços na tijoleira da entrada. Vai ser difícil juntar os cacos e colá-los, pensei.
Tentei acalmar o clima tempestuoso:
- Mana, fizeste boa viagem?
A voz do meu pai surgiu como o rugir de um trovão, elevado ao quadrado:
- Ela fez boa viagem, sim. Mas a viagem,  aqui, do rapazinho ainda não terminou...
A minha irmã parecia que ia explodir a qualquer momento, os olhos, muito brilhantes, queriam saltar-lhe das órbitas, da cara. As lágrimas pareciam estar ali mesmo à espreita, prontas para desabarem em cascata... O rapaz, de nariz empinado, continuava com as malas na mão... A minha mãe não estava a perceber nada e eu também não!
- Mas, o Carlos não vinha passar cá o fim-de-semana? - perguntou a minha mãe, tranquilamente, com aquela voz melodiosa, capaz de aplacar qualquer procela.
- Vinha... dizes bem! Vinha, pretérito imperfeito, tão imperfeito como ele... - explodiu o meu pai, furioso.
- Que aconteceu? Será que me podem explicar o que se está a passar ou o que se passou no trajecto do carro para casa, nesses escassos 10 metros? - pediu a minha mãe.
- O que se passa é a pouca educação que dás às tuas filhas. É isso que se passa, nem mais, nem menos...
Eu já sabia que o meu pai ia culpar a minha mãe!
Quando temos boas notas, as minhas filhas são a minha alegria, o meu orgulho; quando alguém nos enaltece ou lhe fala da nossa educação exemplar, as minhas filhas têm princípios, valores, berço... Quando algo não corre como o senhor números primos e compostos, raízes quadradas, equações de vários graus... acha que deveria correr, somos filhas da minha mãe. 
Bem, eu até prefiro ser parecida com a minha mãe e a Francisca, de certeza, que também prefere!
E sabes o que aconteceu, afinal, Francisco? 
A minha irmã vinha a caminho de casa, já ali na subida. O Carlos trouxe o carro dele, o da minha irmã ficou em Lisboa, era ele quem vinha a conduzir. Pararam e estavam a beijar-se, quando o meu pai passou por eles. O Sr. equações diferenciais fez marcha atrás, estacionou ao lado do carro deles e fez uma cena: mandou a minha irmã sair do carro e entrar no dele e ao Carlos disse que desse meia-volta e desaparecesse...
O rapaz ignorou e seguiu o meu pai até aqui, é que a mala da Francisca tinha ficado no carro dele. Ele não podia levar a mala, está bem de ver...
- Só fazem figurinhas tristes no meio da rua - dizia o meu pai. - E que raio de educação deste às tuas filhas? - acusava a minha mãe. 
- Estás a fazer essa tempestade toda por causa de uns beijinhos dentro do carro? - perguntou a minha mãe, a rir.
- Eu sou a única pessoa com bom-senso nesta casa? Só falta achares bem que durmam na mesma cama, no mesmo quarto... - atirava o meu pai.
- Ora bem, Carlos, traz a tua mala, vou mostrar-te o teu quarto...
O Carlos seguiu a minha mãe, a Francisca pegou na mala dela e subiu a escada em direcção ao seu quarto. O meu pai ficou no meio da sala a vociferar...
A Sra. eufemismo esteve a suavizar  o Sr. raíz cúbica e, passado algum tempo, tudo estava, na paz de Deus, a jantar e a conversar como se nada se tivesse passado.
O que é que a minha mãe falou com o meu pai? Pois, Francisco, não faço a menor ideia, mas é sempre assim, ela consegue sempre amaciar o  meu pai: deve ser a subjetcividade feminina a cair implacável sobre o concreto, o real masculino.
Francisco, depois, conto-te o que achei do Carlos, o namorado da minha mana.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A Francisca está apaixonada!

Recebi um telefonema da Francisca: olha diz à mãe que no próximo fim-de-semana levo um amigo... 
- Trazes um amigo para passar cá o fim-de-semana? - perguntei admirada.
- Qual é o espanto? - tornou ela, já com a pimenta, a mostarda, o gengibre, as especiarias todas a chegarem-lhe ao nariz.
- Está bem, eu digo, não, não me esqueço!
Francisco, a minha irmã nunca trouxe um único amigo para passar um dia cá em casa, quanto mais um fim-de-semana! Se ela vai trazer um agora, é porque ele é importante para ela, deve estar apaixonada! Ela nunca nos apresentou um único namorado... 
Ó Francisco, claro que ela teve namorados, só estou a constatar que não eram importantes, nunca quis que os conhecêssemos... Talvez não sentisse amor por nenhum como por este... Sei lá!
A minha irmã é uma miúda toda gira, eu bem vejo os olhares que os rapazes lhe atiram, quando saímos, portanto teve milhares de namorados com certeza ou pelo menos rapazes que gostavam dela... O estranho é ela agora trazer um "amigo" sem ter dito nada a ninguém... Nunca nos falou de ninguém em especial!
O meu pai não vai achar graça nenhuma, eu já o conheço, vai haver tempestade a partir de sexta-feira à noite... 
Estás parvo, Francisco, sei lá se vai chover e trovejar no fim-de-semana, vai haver tempestade cá em casa...
Olha, repara bem, aqui há tempo, num Sábado, os meus pais tinham ido às compras. Tocaram à campainha. Fui abrir. Deparei-me com um "cãozinho abandonado" que queria falar com a Francisca.  Disse-lhe que se sentasse num dos bancos do jardim...
Eu sei que os cães não falam, Francisco, tu só podes estar a brincar comigo. Era um rapaz. Ri-te, ri-te! 
Já não te conto mais nada! As desculpas não se pedem, evitam-se, meu caro amigo!
A minha irmã estava a dormir. Ao subir a escada para a ir chamar ia a rezar a todos os santinhos para que ela não tivesse botas, livros grossos ou objectos pesados perto dela, à mão de semear... Bati de mansinho e chamei:
- Mana, está ali um rapaz que quer falar contigo. Está com cara de cãozinho abandonado!
- Quem?
- Como se chama? Não perguntei! Está sentado à porta, à tua espera... Mando-o embora! Nem penses, vai lá tu dizer-lhe que se vá...
A Francisca levantou-se contrariada, abanou a cabeça para espalhar os cabelos dourados por cima dos ombros, enfiou-se na casa de banho. Saiu. Vestiu o robe florido por cima da camisa cor-de-rosa de renda, escolheu uns chinelos de salto alto, lindíssimos, brancos e rosa (as lojas que ela fez os meus pais correrem para encontrar aqueles chinelinhos! Encontrámo-los no Porto!). Olhou-se ao espelho, sorriu, passou batom nos lábios e ajeitou de novo os caracóis... Olhou para mim, piscou-me o olho, e perguntou:
- Ainda aí estás? Que tal estou?
- Linda. Vais a alguma festa?
Atirou-me um olhar verde furibundo e desceu as escadas, parecia flutuar... Eu segui atrás dela, parecia a rainha e a ama...
Abriu a porta, olhou para o lado.
- Francisca, queria tanto ver-te, quero falar com os teus pais... - balbuciava o rapaz todo enfiado. Parecia tão pequeno, ínfimo ao pé da minha irmã.
- Queres o quê? - perguntou rispidamente, sem pestanejar, a minha irmã, muito direita.
Não o deixou falar mais, que desaparecesse:
- Falar com os meus pais? Por alma de quem e para quê? Pensavas que éramos namorados? Acredito que sim, mas não somos, nunca fomos, aliás... 
Apontou-lhe o portão, sem deixar de falar, o rapaz parecia um boneco sem reacção, muito vermelho. Saiu e ficou parado do outro lado a olhar para nós, eu estava com pena dele! Agora, sim, tinha mesmo o aspecto de um animal abandonado, escorraçado até...
- Eu nunca fui tua namorada, alguma vez falámos nisso? Não, pois não? Então, desaparece! 
Voltou costas ao rapaz e eu segui atrás dela para casa.
- Olha-me esta - dizia ela - nunca falou comigo sobre namoro, nunca lhe disse que gostava dele e agora aparece para falar com os meus pais. É doido! 
- Coitado, Francisca, ele deve gostar mesmo de ti, veio de Lisboa de propósito...
- Queres parar com isso! Tens pena dele? Vai lá e oferece-te para namorada dele, até és parecida comigo, ele só tem de esperar que cresças mais um bocadinho, ainda és muito novinha...
Fiquei a olhar para ela com uns olhos enormes e ela:
- És uma tontinha pequenina! Vem cá, vamos conversar.
Sentámo-nos na cama dela e foi onde os nossos pais nos encontraram, quando chegaram.
Não, Francisco, os meus pais nunca souberam do "cãozinho abandonado", não é "amestrado", tonto!
Pois é, cá para mim, a Francisca está apaixonada!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Parecia que o tempo não tinha passado!

O tio da Joana veio trazê-la cá a casa. A minha mãe abriu a porta, quando eu vinha a descer as escadas a toda a velocidade... O sr. Manuel trazia uma mochila na mão e a Joana um casaco e a mala a tiracolo. Subimos as duas as escadas a correr, enfiámo-nos no meu quarto, atirámos os sapatos para um canto e sentámo-nos na cama, de pernas cruzadas, viradas uma para a outra, como fazíamos antes... Olhámo-nos e desatámos a rir... Parecia que o tempo não tinha passado... Ali estávamos a rir como loucas sem ter de quê!... Demos as mãos e começámos a soletrar uma canção que nos tinham ensinado na escola e que cantámos as duas muitas vezes nas festas da escola... Começámos a cantar muito afinadinhas e, depois, de repente, desatámos a gritar e a desafinar e a rir que nem umas perdidas...
Bateram à porta, a minha mãe abriu, espreitou e disse:
- Joana, o teu tio veio entregar-te a mochila e despedir-se!
Saltámos da cama e despedimo-nos do senhor Manuel que sorridente atirou um portem-se bem...
A minha mãe disse que ia preparar um lanchinho e fechou a porta. Fechada a porta, voltámos a sentar-nos, frente a frente, em cima da cama, a rir. 
- Conta-me tudo! - pedi à Joana.
- Adoro o Alentejo, Évora é uma cidade linda! Tu sabes, já lá tínhamos ido nas visitas do Clube do Património...
- E o Miguel? Tens uma fotografia para eu ver? Vá lá, vá lá, mostra-me... Que giro! Ele é mesmo "muita" giro, Joana! Como o conheceste, conta tudo, tudo, quero saber tudinhooooo...
- Ora bem, Rita, ele anda na minha escola, a Elsa é minha colega e prima do Miguel, apresentou-nos... Um dia, ia à consulta do psicólogo e a Elsa e o Miguel acompanharam-me, fomos a conversar todo o caminho, o Miguel também tinha andado numas consultas de psicologia, por causa de uns problemas com o padrasto... Depois, a Elsa começou a dar desculpas que não podia ir, que o Miguel me acompanhava, eu dizia que não era preciso, que sabia ir sozinha, ele que não, ela que o primo tinha razão em não me deixar ir sozinha...
- E depois? Avança mais um bocadinho... Olha, já pareço o Francisco que é muito impaciente e quer logo saber os "finalmente"...
- O Francisco? Quem é o Francisco? É o teu namorado, Joana? 
- Não, não! Continua tu, depois falo-te do Francisco...
- Meninas, venham lanchar! - chamou a minha irmã.
O lanche foi animado, a minha mãe fez crepes e chocolate quente. A Francisca estava bem-disposta e nem estava a praguejar contra o mestrado, nem contra os trabalhos que tem de fazer, nem contra os livros que tem para ler... O meu pai estava contente por rever a Joana e claro que lhe perguntou como ia a Matemática e os estudos... Depois do lanchinho ajudámos a arrumar a cozinha e fomos ver um filme todos, em família. Depois, jantámos...
De volta ao quarto e advertidas de que a noite era para dormir... Voltámos à nossa conversa.
- Rita, o Miguel também passou muito com o padrasto, ele batia-lhe e à mãe e ao irmão e até à avó, uma senhora idosa e incapacitada, desloca-se numa cadeira de rodas. A mãe quis separar-se por diversas vezes, mas ele ia sempre atrás dela e dos filhos e ameaçava-os e agredia-os... Era uma vida de medo! O Miguel decidiu ir à polícia fazer queixa do padrasto, a situação ainda se arrastou durante um tempo, tribunal para cá, tribunal para lá... Mas, entretanto, tudo se resolveu e a mãe conseguiu a separação... O Miguel contou-me toda a sua história, tem umas cicatrizes num braço que o padrasto lhe fez com um cinto: ele para defender o irmão e a avó, pôs-se à frente e o homem totalmente enraivecido, bateu-lhe tanto que a fivela o deixou cheio de golpes e a sangrar... Algumas feridas eram bem profundas e ele ficou com algumas cicatrizes.
- Bem, coitado! Ele há gentinha tão má!
- Pois há, Rita, e o mais triste é que aqueles que nos deviam defender, são os que muitas vezes nos fazem mal!
- Pronto, Joana, não penses nisso, já passou!
- Ainda não passou e não sei se alguma vez vai passar... Mas, passando à frente!... Um dia, o Miguel disse que gostava de mim e eu achei que lhe devia contar a razão das consultas de psicologia. Ele disse que não tinha de contar nada, mas eu insisti... Sabes, Joana, eu gosto do Miguel, gosto mesmo muito!... Não queria que a nossa relação fosse edificada sobre mentiras, dúvidas, mal-entendidos, palavras por dizer... Por isso, contei-lhe tudo! Depois, perguntei-lhe se ainda gostava de mim e ele beijou-me tão ternamente, parecia que tinha medo de me quebrar... Foi lindo!
- Vamos dormir, Joana?
- E o Francisco?
- Ah! O Francisco é o meu diário. 
- Sério, Rita, sempre levaste essa coisa do diário para a frente? E o teu diário tem nome? Gosto do nome do teu amigo diário!
- Vou apagar a luz! Dorme bem, Joana!