sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A visita da Joana

A funcionária bateu à porta, entreabriu-a e espreitou. Fez sinal à professora que respondeu afirmativamente àquele apelo mudo... E eis que surge, por detrás da Teté, uma Joana sorridente e feliz... E eu que cada vez que me lembrava dela, só a recordava  chorosa, com os olhos muito vermelhos e brilhantes a suplicar ajuda e sempre prestes a saltarem-lhe das órbitas!... Foi estranho! Foi como se o tempo tivesse parado algures, antes da violação... 
Francisco, dei comigo a pensar, olha a Joana atrasou-se, não ouviu o despertador e levantou-se somente quando recebeu a minha mensagem: "Joana, onde estás, já cheguei à escola!". Era sempre assim, se não nos encontrássemos logo, a primeira a chegar enviava logo uma mensagem.
Ficámos mudos a olhar, em silêncio, e foi a professora que nos acordou:
- Então, não dão as boas-vindas à Joana, não estão contentes com a sua visita.
Levantámo-nos todos, rodeámos a nossa amiga e foi uma catadupa de perguntas, de beijos e de abraços...
Tocou para a saída, convidámos a professora e fomos todos para o bar. Outros professores, ao reconhecerem a Joana, juntaram-se-nos e choviam perguntas de todo o lado, a Joana sorria e ia respondendo conforme podia àquela avalancha de questões. Eu não conseguia tirar os olhos da Joana, parecia de novo a minha amiga do Jardim de Infância, a minha coleguinha de carteira do primeiro ciclo,  a minha velha companheira de jogos e de passeios... Tinha os olhos azuis de sempre, meigos, doces, sem raios vermelhos... e o mesmo sorriso aberto e dava as mesmas gargalhadas contagiantes...
O pai da Joana continua preso, violara todos os irmãos e irmãs da Joana, só escaparam a Maria e a Sofia. A Joana tem uma quantidade de irmãos, filhos de várias mulheres... Os irmãos da Joana acabaram por ir depor em tribunal contra o pai e pasme-se, Francisco, até a mãe da Joana e as várias companheiras do pai o fizeram...
A Joana foi viver com uns tios para o Alentejo, tem um namorado, o Miguel, e diz que está muito feliz, teve ajuda psicológica e fez-lhe muito bem ter-se afastado da mãe. Os tios não têm filhos e tratam-na como se fosse filha deles. A Maria e a Sofia vivem com a mãe e estão bem. 
A Joana veio com os tios, vai passar cá este fim-de-semana. Estão num hotel. A Joana vem passar o Sábado comigo, dorme cá e depois os tios vêm buscá-la no Domingo à tardinha e regressarão ao Alentejo.
Vai ser tão giro estar de novo com a Joana, Francisco!

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Passados quase dois anos...

Há quase dois anos que não via a Joana, desde que saiu daqui para ir morar com uns tios no Alentejo... Lembras-te da história da Joana, Francisco, dos meus pesadelos?
Eu sei, eu sei que te disse que nunca mais queria tocar nesse assunto, mas hoje a Joana apareceu lá na escola...
Eu sei, Francisco, que nunca te disse o que aconteceu depois de ter contado à minha mãe o problema da Joana, tu sabes bem que eu vivia amedrontada com aqueles pesadelos horríveis e o que eu queria mais era esquecer, esquecer até, vê lá tu, que tinha uma amiga chamada Joana... E tu sabes que nós éramos amigas desde o Jardim de Infância...
Contei à minha mãe a triste história da Joana e a minha mãe teve uma conversa a sós com a minha amiga. Lembras-te bem que a Joana não queria contar a ninguém, só eu é que sabia! Foi um peso enorme ter de carregar com o segredo dela! Mas, felizmente, já passou!
Sei que a minha mãe conseguiu, a custo,  convencer a Joana a ir à polícia.
Como é que convenceu a Joana? Ora, Francisco, foi bem complicado, porque ela tinha medo que a mãe a pusesse fora de casa, pois a mãe disse-lhe que se tivesse de escolher entre a filha e o marido, escolheria o marido... A Joana ficou destroçada, ela não queria viver na mesma casa que o pai, ela tinha medo que, quando a mãe estivesse no turno da noite, ele a fosse buscar à cama dela...
Espera, não sejas apressado, eu conto-te como é que a minha mãe a convenceu!
A Joana tem uma irmã mais velha que foi aluna da minha mãe e desconfiou-se, na altura, que o pai a tivesse violado... Além da Nádia, a irmã mais velha da Joana, havia ainda a Maria e a Sofia, as irmãs mais novinhas. A minha mãe perguntou à Joana sobre a irmã e ela confirmou, a Nádia também tinha sido violada...
Ficaste branco, Francisco, é melhor não te contar mais nada!... Queres saber o resto, tens a certeza? Pronto, eu conto, eu conto! A minha mãe disse à Joana que se ela não travasse naquele momento o pai, a seguir seriam as irmãs mais novas a sofrer o que ela e a Nádia tinham sofrido e foi aí que a Joana tomou a decisão de ir à polícia. A minha mãe aconselhou-a a ter uma conversa muito séria com a mãe, se a mãe não acatasse a sua decisão, a minha mãe acompanhá-la-ia à polícia...
Olha, Francisco, vou jantar, amanhã conto-te o resto, já estão todos à mesa e já sabes que o jantar, cá em casa, é uma refeição sagrada, o meu pai quer toda a família reunida... É a hora de conversarmos sobre o que se passou durante o dia, já sabes como é!

domingo, 25 de novembro de 2012

Abra o estore!

A minha turma não tem emenda, Francisco, é uma atrás da outra, a Directora de Turma farta-se de ralhar, mas nada parece dar resultado. Lembras-te de te ter contado aquela cena das bebedeiras? Depois desse episódio, dos ralhetes que eles ouviram da DT e do Director, eu pensei que nunca mais ninguém se iria meter nos copos... Enganei-me redondamente! 
Vou contar-te:
O Fábio namorava com a Maria, mas zangavam-se muitas vezes e faziam as pazes outras tantas... Ultimamente, andavam mais de candeias às avessas, como diz a minha avó... 
A Maria teve uma discussão séria com o Fábio, foi uma gritaria, chegaram a agredir-se fisicamente e foi o professor de Matemática que os separou, pois esta cena feia aconteceu antes da sua aula. A Maria já andava a dizer há muito tempo que tinha de acabar tudo com o Fábio, mas ia adiando, adiando, adiando... Naquele dia, depois daquela triste zanga, no intervalo grande, no bar, ela virou-se para ele e disse-lhe: 
- Não dá mais, acabou-se! Não quero mais nada contigo! Vais à tua vida e eu vou à minha!
Virou costas e deixou o Fábio com uma cara, com uns olhos que metiam medo...
Fomos para as aulas seguintes, mas ele faltou...
Terminadas as aulas da manhã, fomos almoçar todos com a DT e uma ex-professora nossa, como estava combinado, mas ele não apareceu. 
O almoço foi muito giro, matámos saudades da nossa ex-professora, rimos bastante e até a Maria se divertiu...
Regressámos à escola para as aulas da tarde. Vimos o Fábio de relance a fumar... Faltou aos primeiros dois tempos... A seguir ao intervalo grande, na aula de Português, já a aula estava a decorrer, entra o Fábio, completamente fora de si, queria falar com a Maria. A professora mandou-o sentar-se, mas ele, cambaleante, recusou. Começou a dizer que se sentia mal e que precisava de ir apanhar ar, a professora deixou-o ir lá fora... Da janela, vimo-lo a fumar e advertimos a professora que mandou logo o funcionário ir buscá-lo... Chegou à aula, acompanhado pelo funcionário, e sentou-se. O funcionário  disse algo baixinho à professora e saiu. O Fábio começou a dizer que queria ir para a janela, que precisava de ar, que não estava bem... A professora sentou-o na carteira à frente dela, mas disse-lhe que não abriria o estore... Ele começou a insistir com a professora:
- Abra o estore, já lhe pedi que abrisse o estore...
A professora recusou sempre, porque se não ninguém conseguia ver o que estava registado no quadro...
Aí, ele começou a dizer que se queria atirar pela janela e que queria o estore aberto. A professora a dizer que não, que ficasse quieto no lugar ou teria de chamar alguém para o levar dali... Ele levantou-se e pediu aos colegas que estavam ao pé da outra janela que saíssem... Essa janela estava meio aberta e, como os colegas não saíram, ele atirou-se por cima das mesas... A professora pediu rapidamente que baixassem o estore e o Fábio ainda ficou com os braços entalados... 
A Delegada de Turma, a pedido da professora, foi chamar alguém da Direcção e o tempo parecia que nunca mais passava... Estávamos todos incrédulos a olhar, ora para o Fábio, ora para a professora que estava branca como a cal... O Fábio gritava que se queria matar... 
Por fim, chegou o Director que o levou dali! 
O Fábio estava bêbado e tinha andado a fumar tudo, menos tabaco... Aquela mistura explosiva não deu bom resultado, como se viu!
O Fábio não gosta da Maria, aquilo não é amor, é obsessão!
À conta deste episódio e de outros, vamos ter umas aulas com um psicólogo...

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Educação sexual

Olá Francisco!
Hoje, na aula de Ciências, a professora passou-se com alguns meninos que se armaram em parvinhos. A professora estava a falar sobre os métodos anticoncepcionais, nomeadamente, o preservativo e eles começaram a gozar e a atirar bocas "foleiras": que já sabiam tudo o que havia para saber, que estavam mais do que informados, que a professora queria ensinar a missa ao padre....
A professora, depois de os colocar no lugar, pediu a um que exemplificasse e nos explicasse  como colocar o preservativo. 
O Ruben, que primeiro sabia tudo, corou até às orelhas e disse que não queria exemplificar nada e gaguejava imenso, muito vermelho... 
A professora colocou todo o material em cima da mesa dele e disse, aqui tens tudo o que precisas...  
Ele olhava para a professora e para nós, sem tocar em nada... Por fim, a professora, já irritada, colocou-lhe o preservativo na mão e disse, não temos o dia todo, portanto despacha-te! Ele começou a desenrolar o preservativo e nós começámos todos a rir, quando ele no-lo apresentou todo esticadinho... A professora perguntou-lhe, então é assim que fazes? O Bernardo, antes que as coisas começassem a ficar mais azedas, pediu para fazer ele a demonstração e a professora concordou: o Bernardo começou por dizer que o Ruben tinha feito mal, que o preservativo ia-se desenrolando no membro erecto...
Estava toda a gente atenta à explicação menos os parvinhos do costume que continuavam com piadinhas e risinhos idiotas. Então, o Bernardo pediu à professora para fazer umas perguntas aos colegas sobre os benefícios do uso do preservativo e o Gonçalo, armado em esperto, disse logo que tinha mais desvantagens do que vantagens e que nunca usaria tal coisa,  a namorada que se preocupasse com isso, porque ele de certeza nunca engravidaria. 
Levantou-se um burburinho na sala... Bem, Francisco, tu não estás bem a ver! 
A Sónia, a namorada do Gonçalo, ficou vermelha e completamente fora de si, começou a ralhar com ele quase aos gritos... A professora tentou acalmar os ânimos e começou a falar em doenças sexualmente transmissíveis e a mostrar imagens horrorosas... Falou. falou, falou, quase sempre a olhar para o Gonçalo e depois perguntou-lhe: 
- Ainda achas que o uso do preservativo é uma treta e só tem desvantagens?
Ele baixou os olhos, envergonhadíssimo, e não disse nada...

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O dia em que vi a minha mãe com os meus olhos!


Francisco, hoje a minha mãe está tão FELIZ!... Ficámos todos felicíssimos com a alegria dela! 
Sabes, quando andamos à espera que uma coisa boa aconteça na nossa vida e esperamos, esperamos, esperamos... e deixamos quase de esperar... e pensamos que não vai mais surgir... e, de repente, quando já não esperamos, acontece... Foi mais ou menos uma coisa assim que aconteceu com a minha mãe!
A minha mãe adora ser professora, gosta dos alunos quase como se fossem da sua família... Vibra com os seus sucessos, entristece-se com as suas derrotas... Acarinha-os, quando precisam de um ombro amigo; guarda segredo se eles lhe pedem; dá conselhos; ri-se com eles; dá-lhe nas orelhas, quando é preciso; zanga-se, mas logo esquece e, como ela lhes diz: "A nossa relação é como a dos namorados, portanto vamos começar tudo de novo, tudo o que ficou para trás é para apagar, águas passadas não movem moinhos!" Tu até sabes que ela tem uma relação óptima com os alunos e eles sabem que podem contar sempre com ela!
Queres que eu passe logo aos finalmente, estás impaciente, Francisco, eu sei bem que estás!
A minha mãe tinha uma Direcção de Turma muito mazinha, aliás, calham-lhe sempre na rifa turmas dessas... No sétimo ano, eles eram os piores alunos da escola! Lembro-me da cara de desânimo da minha mãe a contar-nos as peripécias e as faltas de educação desses meninos. Havia vários alunos problemáticos. O Diogo era o pior e a minha mãe contava coisas verdadeiramente inacreditáveis... 
Tu sabes que a minha mãe adora poesia e numa aula, depois de analisar com os alunos um poema sobre a mãe, pediu-lhes que escrevessem um texto em prosa ou em verso sobre o mesmo tema. Todos gostaram da ideia menos o Diogo que disse que escreveria sobre o pai, o avô, sobre qualquer pessoa, mas sobre a mãe NUNCA! A minha mãe perguntou-lhe por que razão não escrevia sobre o tema proposto e ele disse cobras e lagartos da mãe, o pai é que era o seu ídolo, o pai era tudo, a mãe não valia nada... A minha mãe ficou muito incomodada com o que o aluno disse e decidiu convocar a mãe  para uma reunião. A senhora prontificou-se vir logo no dia seguinte e assim foi. 
A mãe do Diogo chorou a reunião toda a falar sobre as dificuldades que tinha com o Diogo e com o marido, pai do Diogo. Achava que o pai era uma má influência, era violento com ela, ameaçava-a constantemente... Ela tentou pedir o divórcio, mas ele disse que a matava, que a caçava onde quer que fosse... Vivia aterrorizada e o filho falava com ela nos mesmos moldes, sem uma palavra de carinho, nada...
A minha mãe sugeriu que a senhora levasse o filho a um psicólogo ou a um psiquiatra, pois havia atitudes muito estranhas como bater com a cabeça no quadro, na parede, levantar-se do seu lugar e ir agredir um colega sem qualquer motivo aparente... Ela respondeu que nem pensar, que ele não aceitaria e o pai ainda pior, pois sempre lhe disse que a única pessoa maluca, desequilibrada e com problemas era ela... Estiveram a pensar como levar o Diogo a uma consulta e a minha mãe disse-lhe que combinasse com o psiquiatra o modo de consultar o Diogo sem ele se aperceber: ia acompanhá-la à consulta e, depois, no intuito de ajudar a mãe, o médico faria algumas perguntas aos dois, depois só ao Diogo... e às tantas estaria a consultá-lo sem ele se aperceber... 
O Diogo começou a ir às consultas com a mãe e começou a melhorar o seu comportamento. Em relação ao texto sobre a mãe que o Diogo não quis fazer, a minha mãe só lhe disse que experimentasse a olhar para a mãe com os seus próprios olhos e não com os do pai e que visse ele como era a mãe verdadeiramente, que ele já era crescidinho para formular as suas opiniões e não ir atrás das opiniões dos outros...
Hoje, passados dois anos, o Diogo entregou à minha mãe o texto que ela lhe pedira no sétimo ano sobre a mãe. E era um texto lindo, Francisco, a minha mãe ao ler-nos o texto quase chorou de felicidade. O Diogo falava da mãe com um carinho, com um orgulho... devias ter visto o texto que ele escreveu! A mãe é tudo para ele!
Como aconteceu ele ter vindo dar agora o texto à minha mãe? Ele encontrou-a no corredor e disse, professora, tenho aqui um texto para a professora corrigir, era para fazer no sétimo ano, eu sei, mas levei algum tempo a ver com os meus olhos.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Uma bebedeira de caixão à cova

Francisco, queres saber o que aconteceu hoje? Nem vais acreditar! Quatro colegas beberam e pintaram a manta nas aulas. Entraram a cantar, cada um mais alto do que o outro: um trauteava alto e bom som, "Anda comigo ver os aviões", outra esganiçava-se com "Eu tenho dois amores", uma terceira dançava e cantava "Ai que calor, ai que calor...", o último gritava a plenos pulmões "Os maridos das outras". Os professores bem os mandavam calar e sentar, mas eles não ouviam nada nem ninguém, creio até que nem se ouviam a eles próprios... 
Na aula de Matemática, depois de se acalmarem um pouco, desataram a distribuir beijos e foi uma confusão, porque algumas pessoas não queriam beijos nenhuns, muito menos de gente completamente embriagada... O professor teve cá uma paciência, coitado! Estávamos entre estupefactos e divertidos com a hilariante situação! 
Mas que figurinhas tão tristes!
Mas, o pior aconteceu depois do intervalo grande: eles foram reforçar a dose... Meteram-se na casa de banho e beberam mais umas goladas, as raparigas não puderam entrar na casa de banho dos rapazes e desataram a gritar que a garrafa também era delas... Eles acabaram por sair e apresentaram a garrafa já  meio bebida...
Chegaram atrasados à aula de Português, num estado lastimável, mas sempre a cantar. A professora mostrou má cara! Perguntou-lhes o que se passava e eles ainda cantavam mais alto e não conseguiam atinar com as cadeiras para se sentarem... A professora mandava-os calar, mas eles nem a ouviam, riam descontroladamente, cantavam e atiravam-se para cima das mesas e das cadeiras. Um deles, muito alto e gordo, caiu estatelado no chão e foi um caso sério para o levantarmos. A professora decidiu mandar chamar o funcionário para os levar dali, pois não estavam em condições de permanecer na aula. O funcionário viu-se da cor dos gatos para os levar, abraçavam-se a ele, queriam beijá-lo... Foi cá uma cena! Postos fora, a professora iniciou a aula. Ah, tivemos de abrir as janelas e a porta, por causa daquele cheiro nauseabundo.
Não estejas a olhar-me com essa cara, eu disse-te que não ias acreditar! 

domingo, 11 de novembro de 2012

Pôr a escrita em dia!

Francisco, tu és o máximo! Com que então achas que devemos pôr a escrita em dia! Passou muito tempo, tu sabes! Podíamos começar tudo de novo, a partir daqui! Não. Queres saber o que de importante aconteceu na minha vida?
Bem, deixa cá ver! Tanta coisa e nada!
Mas, pronto, vou contar-te a minha primeira experiência amorosa. Não, não precisa de bolinha vermelha no cantinho de coisa nenhuma...
Eu nunca fui muito de namorados, tu sabes! Mas, todas as minhas colegas tinham um namorado e eu já estava a pensar que não era uma rapariga normal. Tinhas de te rir de mim, agora? Bom, é melhor não te contar nada!
Está bem, eu conto:

O Carlos era o rapaz mais bonito da escola, vinha de Lisboa, tinha sido transferido. Era mais velho  e também mais sabido, claro! Todas as miúdas andavam atrás dele, já sabes como é! Eu continuava no meu mundo à parte! Ele começou a meter conversa comigo, mas eu não lhe ligava muito. Trocava a conversa com ele por um livro ou por um jogo qualquer... Mas, ele insistia, insistia... convidava-me para passear, queria levar-me à porta da sala de aula... Eu recusava. Que parvoíce era aquela de me levar à porta da sala? 
As outras meninas achavam que eu só podia estar parva por recusar o rapaz mais cobiçado lá da escola... Enfim!
Como é que ele era?
Era alto, olhos esverdeados e travessos, pele bronzeada, cabelo escuro pelos ombros, um sorriso permanente na boca carnuda... Era simpático, atencioso, mas havia qualquer coisa nele que soava a falso. Por isso, demorei tanto a tomar uma decisão!
Como aconteceu?
Ora, foi naturalmente, quase sem dar por isso. De repente, andávamos de mão dada, íamos ao bar juntos, levava-me à sala, ia buscar-me... Despedíamo-nos com um beijinho na cara.
Quando aconteceu o primeiro beijo na boca?
Francisco, estás muito curioso para o meu gosto!
Foi assim: 
Um dia, não tive Matemática e ele faltou à aula para ficar comigo. Não achei nada bem! Fomos passear para o jardim, íamos a conversar... De repente, parou, pôs-se à minha frente, agarrou-me o rosto e beijou-me... Fiquei surpreendida e corada, sentia a cara a arder, em fogo. Ele sorriu e perguntou, gostaste, eu gaguejei um sim muito vermelho.
E depois?
Depois, fomos para a escola!
Ah, o que se seguiu depois do beijo? Seguiram-se outros, mas eu não me sentia muito à vontade... É que começaram a assaltar-me algumas dúvidas. Eu não tinha a certeza se gostava mesmo dele! Se queria mesmo namorar a sério. Depois, ele era bem mais velho do que eu e queria sempre mais do que eu estava disposta a dar-lhe. Eu recusava, ele amuava! Eu não me ralava muito com isso! Ele insistia, eu recusava... E fomos andando assim, entre recusas e amuos...
E?
E um dia, fomos passear, de mão dada, estava um dia lindo, era Primavera... Ele encaminhou-me para o lado da mata, eu disse que não queria ir, mas ele insistiu e insistiu... que me ia mostrar um lugar lindo... Acabei por ir... 
Chegados ao local, perguntou-me, apontando em redor, com um gesto largo, tentando abarcar todo o lugar:
- Não é lindo?
Olhei em redor, meio desconfiada. Mas sim, era lindo, o chão verde, pontilhado de flores azuis, amarelas, vermelhas... As árvores de copas altas e frondosas filtravam a luz do sol que, através da folhagem, reflectia mil cores, mil brilhos...
Olhámo-nos, sorri e ele sorriu também:
- Rita, quando estiveres preparada é aqui que quero fazer amor contigo. A nossa primeira vez terá o Sol como testemunha... Agora, só quero um beijo e agradecer-te por teres confiado em mim...
Encostou-me contra a árvore e beijou-me. Depois, pegou na minha mão, beijou-ma e, de mão dada, calados, saímos dali...
Que bonito! Sério, Francisco, achaste bonito?
Que aconteceu? Porque não estamos juntos ainda?
Porque a vida dá muitas voltas e, acabado o ano, os pais dele mudaram-se de novo para Lisboa e depois foram para Angola. 
Se fiquei triste? Fiquei... Angola não fica já ali! Mas, sabes, guardo uma recordação linda do meu primeiro amor...




sábado, 10 de novembro de 2012

Reencontro

Francisco, passou tanto tempo! Não tenho falado contigo, não te tenho contado as minhas coisas. Cresci um pouco e achei que não fazia mais sentido conversar com o meu diário. Que tolice! Poderia ter desabafado tanta coisa contigo... E sei que me ouvirias sempre sem me julgares! Fui tola, eu sei! Mas voltei! Confesso que foi quase por acaso! Foi como se tivesse aberto uma gaveta fechada há muito e deparasse com algo muito importante... Sabes, quando vestimos um casaco que estava guardado há muito tempo no armário e pomos as mãos nos bolsos e no meio de papéis sem importância, encontramos uma nota de 50 euros? Foi a mesma sensação. Não, minto, foi melhor ainda, foi ter descoberto um amigo perdido, foi como encontrar o amor da minha vida... Não cores! A amizade é o amor que nunca se esgota, é eterno, é doce, é calmo! 
Ver-te ali à minha frente, foi uma alegria imensa, folheei-te, li-te e reconheci-me em todas as palavras... Vamos voltar a conversar sobre tudo, vou voltar a confiar-te os meus segredos, vou encostar a minha cabeça no teu ombro, tu vais passar a tua mão pelo ouro dos meus cabelos como antigamente, vamos rir das minhas maluquices... 
Francisco, sei que ficaste incomodado, quando, depois de tanto tempo, me atirei nos teus braços... Era uma saudade tão grande a que eu tinha, era como se tivesse chegado de uma longa viagem e tu estivesses no aeroporto à minha espera...  era como se eu ao vislumbrar-te no meio da multidão, sentisse o coração a bater e a empurrar-me para ti e... então, corri e lancei-me nos teus braços e ficámos abraçados... 
Tudo vai correr melhor a partir de agora, porque te tenho de novo... Vamos dormir... Até amanhã, Francisco, meu doce amigo. 
Dorme bem, Rita, eu vou estar sempre aqui ao teu lado!