terça-feira, 22 de junho de 2010

O assalto

Bem, Francisco, nem sabes o que aconteceu!
Combinámos com a Directora de Turma um jantar e uma ida ao cinema. A despesa seria paga com o dinheiro que juntámos ao longo do ano. Fizemos quermesses, vendemos bolos e trabalhos feitos por nós: caixinhas pintadas, bijutaria, postais...
Estava tudo combinado, já tínhamos convidado alguns professores e acreditávamos que ia ser uma noite super animada. Escolhemos o restaurante, um restaurante daqueles a que não se vai todos os dias. Afinal era uma noite especial!
Mas o insólito aconteceu: o dinheiro estava guardado no cofre da escola e a DT iria buscá-lo no dia do nosso jantar. No dia anterior, a escola foi assaltada e assaltaram, imagina, o cofre. Aquele cofre enorme com uma porta blindada foi assaltado! E... claro que o nosso dinheiro não ficou lá, nem o da outra turma, levaram tudo, tudinho.
A direcção da escola, a sub-directora, disse à DT que podíamos dizer adeus ao dinheiro, que a escola não tinha seguro, que a escola não se podia responsabilizar pelo roubo, que tinha muita pena, mas que não podia fazer nada.
Os nossos colegas da outra turma tinham três dias agendados num campo de férias e, como os encarregados de educação, quando souberam do roubo e da impossibilidade dos seus filhos irem para o campo aventura comemorar o final deste ano lectivo, apareceram em peso na escola a reclamar, a dizer que escreveriam para as entidades superiores, para os jornais... (alguns estavam completamente fora de si!), a escola resolveu o seu problema e os nossos colegas lá foram todos contentes divertir-se. A nossa Dt, quando soube que o caso da outra turma tinha sido resolvido, foi logo falar com a sub-directora, porque pensou que o nosso problema também seria solucionado, mas enganou-se. O discurso da sub-directora foi descabido, repara, que os outros alunos tinham mais dinheiro, que tinham trabalhado mais do que nós, que mereciam mais do que nós, que eram melhores alunos... A professora bem ripostou, mas não adiantou nada. Finalmente, disse-lhe que explicasse isso aos encarregados de educação. Nós fomos falar com a direcção, os nossos pais lá foram também, mas as respostas continuaram a ser completamente surrealistas: se gostaríamos de dormir na escola, tipo acampar por lá. Só se for para sermos assaltados! Não conheço nenhuma escola que seja tantas vezes assaltada como esta! E agora, querem que acampemos lá? Outra hipótese era ela receber-nos em sua casa ou na dos pais, onde nos prepararia um petisco, umas febras assadas. Que achas? São realmente dois programas de estalo! É aquilo com que qualquer aluno sonha um ano inteiro, não achas?

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Pobre Joana!

Os pesadelos continuam. Digo todas as noites à minha mãe que não quero adormecer, mas ela tranquiliza-me, diz que se o pesadelo vier me acorda logo.

Aqui em casa todos estão preocupados comigo, já falam em levar-me a um psicólogo. A minha irmã insiste para que lhe diga o que aconteceu:

- Rita, tens de contar o que te aflige. Ninguém tem pesadelos, assim, todas as noites, por nada.

Olha, Francisco, falei com a Joana e disse-lhe que ia contar tudo à minha mãe. Ela não quer que eu conte, mas eu já não aguento mais. Ando cansada, durmo mal e os pesadelos não me deixam.

A Joana tem ataques de pânico, quando chega a hora de ir para casa, começa a tremer, a tremer, a tremer; os professores não compreendem o que se passa com ela; a DT disse-lhe que queria falar com a mãe dela ou com o pai, para perceber o que se estava a passar; aí, a Joana passou-se e começou a gritar que não, que não queria e começou a chorar e a tremer; tivemos de ir com ela para o SASE para lhe darem qualquer coisa para a acalmar.

Mas está decidido, hoje, quando a minha mãe vier das aulas, vou contar-lhe tudo, vou seguir o teu conselho, Francisco. Tens razão quando dizes que se trata de um assunto delicado e muito grave e que só um adulto nos pode ajudar a solucionar. A Joana não pode contar com a mãe, porque ela não acredita nela, disse-lhe que era mentira e que ai dela se contasse a alguém! A Joana disse que tinha nojo do pai e que não queria viver na mesma casa que ele e a mãe respondeu-lhe que se alguém tinha de sair, era ela, o pai não saía dali. Pobre Joana!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Foi só um pesadelo

Não tenho conseguido dormir.

Deito-me e, pouco depois, sinto que alguém me carrega ao colo e me deposita numa cama desconhecida. Cheira mal, os lençóis não estão lisinhos sobre o colchão. Há um cheiro acre nesta cama. A roupa não cheira a flores nem a campo. Os lençóis não são floridos nem bordados, têm uma cor indefinida. A luz é ténue e treme. O homem sem rosto deita-se ao meu lado e põe uma perna entre as minhas, eu faço força para me soltar e ele soletra um chiu longo e quente ao meu ouvido. Não reconheço as feições do homem, o seu rosto está tremido. Parece uma fotografia mal tirada! Estou tensa, sou de pedra. E ele começa a beijar-me os cabelos, a testa, e a sua mão desliza pelo meu pescoço. Quero gritar. Quero sair dali. Afasto a mão dele e ele agarra-ma e põe-ma sobre “aquilo” rijo e grande e diz roucamente, “faz festinhas no meu bichinho, faz”. Afasto a minha mão rispidamente, mas ele agarra-ma de novo, envolvendo-a com a sua, como uma concha e volta a pô-la no “seu bichinho” repugnante, obrigando-me a acariciá-lo. A sua boca quente pousa nos meus olhos que cerro com tanta força que doem. Tento gritar, mas da minha garganta em nó só sai um breve e longo lamento. Abana-me, chiu, vais gostar, vais ver como é bom! A outra mão vai deslizando pelo veludo do meu corpo que treme, e a sua boca procura a minha, viro a cara, mas ele não desiste, sinto a sua língua viscosa no meu ouvido. Remexo-me, enterro a cara na almofada. Mordisca-me a orelha. Largue-me, deixe-me! Mas ele não me larga, não me deixa. Agarra-me a cabeça com força e beija-me, morde-me os lábios selados, lambe-mos. Sinto a sua língua descer-me pelo queixo, pelo pescoço… detém-se no meu mamilo cor-de-rosa e chupa, chupa… Dói-me. Contorço-me, tento afastá-lo. Estás a gostar, minha putazinha, estás a gostar? Sinto a sua perna a afastar as minhas com força, a sua voz está rouca, a sua respiração é pesada. Coloca a mão no meu fruto proibido. Arranco-lha dali. Ri-se. Parece louco. Tomba sobre mim e agora tenta encaixar as suas pernas dentro das minhas que aperto com toda a força. Grito. Não!

- Rita, Rita, querida, acorda!

Abro os olhos e vejo o rosto preocupado da minha mãe. Cheira a flores. Os lençóis floridos são tão lisinhos e macios! A voz da minha mãe é uma carícia tão boa!

- Que se passa, Rita? Estás a chorar? Foi um pesadelo, querida, já passou.

- Era ele, mãe, era ele! O pai da Joana, o pai da Joana veio buscar-me e levou-me…

- Fofinha, estás aqui. Eu estou aqui. Foi só um pesadelo.

- Fica comigo, mãe, dorme de mão dada comigo, como quando eu era pequenina.

- Vamos dormir, então. Foi só um pesadelo.



segunda-feira, 7 de junho de 2010

O segredo da Joana

A Joana chegou à escola com os olhos inchados e tão vermelhos!
- Estiveste a chorar? - perguntámos em coro.
Ela não respondeu, mas os seus olhos não paravam de falar, de gritar em silêncio. Algo de muito grave tinha acontecido! As lágrimas, veios de água pura e cristalina, regavam-lhe as rosas murchas. Pedimos à funcionária que chamasse a nossa DT. Ela veio logo e ficou tão aflita como nós. O Raul disse que se calhar tinha morrido alguém. Travei-o com o olhar. Ele arregalou-me os olhos e sussurrou um "só se chora assim, quando morre alguém, não é?". A professora mandou-o calar, agarrou na Joana e levou-a para a casa de banho das professoras.
A Joana chorou, chorou agarrada à DT, mas não respondeu a nenhuma pergunta. Nós estávamos todos à espera, angustiados. A professora chegou à porta e mandou-nos para a aula, perguntámos pela nossa colega e a DT sossegou-nos:
- Ela está mais calma.
- Mas, professora, morreu-lhe alguém, não foi? - insistia o Raul.
- Por favor, meninos, depois falamos. Agora, todos para a aula de Matemática!
Contrariados, lá fomos.
A Joana chegou mais tarde, acompanhada pela nossa professora de Português.
Todos os olhos caíram em cima da Joana. Ela baixou o olhar turvo e vermelho.
Quando a professora de Matemática terminou a aula, começámos a sair, devagarinho, os pés pesavam-nos toneladas. A Joana chamou-me. Virei-me.
- Fica comigo, Rita, não me deixes sozinha - pediu.
- Vamos - disse-lhe - vamos ao bar.
- Preciso de te contar uma coisa, Rita.
A voz tremia-lhe. Os olhos, numa súplica, tremeluziam alagados. Peguei-lhe na mão e sorri tristemente.
- Joana, podes contar sempre comigo. Os amigos não são só para as ocasiões boas, para as festas e os passeios!
- Rita, tens de jurar-me... não contas nada a ninguém... jura, Rita...
A sua voz saía-lhe aos tropeções, ora sumida, ora estridente. Os olhos inchados, muito esbugalhados, pareciam querer sair-lhe das órbitas. Apertou-me as mãos com força, querendo agarrar-se a algo.
- Rita, eu tenho de contar a alguém, eu preciso de desabafar. Eu sinto um peso tão grande em cima de mim!
Fomos para um lugar sossegado, faltámos a Francês.
Francisco, a Joana foi violada. Sim, ouviste bem, foi violada. Fecha a boca. Sei que estás pasmado. Eu também fiquei, mais, fiquei tão revoltada, tão enojada, que ia vomitando. Foi o pai dela, Francisco, foi o pai dela que a violou. E ela não quer dizer nada a ninguém. Só eu é que sei. Ela só me contou a mim. Acreditas, Francisco, que ela nem quis contar à DT. Ajuda-me, diz-me o que hei-de fazer, Francisco. A Joana foi para casa da Márcia, passa lá esta noite. Como é que eu vou conseguir dormir, esta noite? Vou ter mil pesadelos. Olha, tenho vontade de chorar, de gritar... Não sei se vou conseguir manter este segredo. Eu acho que devíamos pedir ajuda à DT, à minha mãe, a alguém...
Amanhã, vou ter uma conversa séria com a Joana.