sexta-feira, 21 de maio de 2010

Problemas geométricos

Francisco, não tenho falado contigo, porque os testes têm apertado. Ando cansada e desiludida com a Geometria Descritiva. O professor não sabe explicar e passa mais tempo fora da aula do que dentro. O teste correu-me mal. Fartei-me de estudar. Na aula de revisões tinha algumas dúvidas e pedi ao professor que mas esclarecesse, ele olhou para mim como se eu fosse um extra-terrestre e disse "puxa pela cabeça!" Isso andei eu a fazer uma semana inteira! Não há direito! A mim mandou-me puxar pela cabeça, mas para o Pedro, o melhor aluno da turma, é todo sorrisinhos e "precisas de ajuda?" e "tens alguma dúvida?". Depois de conversar com o Pedrinho do seu coração, sai da sala de aula e vai tomar o pequeno-almoço ao café em frente da escola e fumar um cigarrinho. Nós ficamos ali a olhar uns para os outros sem saber o que fazer. Ele diz que vai chumbar setenta por cento dos alunos da turma e que depois, sim, depois é que a turma vai ficar boa e vai, então, aprender geometria, porque trinta alunos é impraticável, não tem tempo para apoiar tanta gente. Como é que ele nos quer apoiar se não está na aula? A única disciplina onde há este insucesso todo é na dele e ele não se questiona?
Já ouvi a minha mãe e o meu pai, quando têm muitas negativas, a dizer que se calhar alguma matéria não ficou bem consolidada e que precisam de trabalhá-la e de ver o que correu mal e, e, e... E olha, Francisco, nunca têm mais de metade da turma com negativa! Mas há professores e Professores! Este nem professor é!
A minha mãe arranjou-me um explicador e eu até já estava a entrar na matéria. Fui lá três vezes. Na terceira aula, o explicador descobriu que não sabia ainda quem era o meu professor! Já tínhamos combinado mais umas aulas, antes do teste, estava tudo acertado, mandou-me até alguns exercícios para treinar em casa, deveria levar-lhos resolvidos na aula seguinte. Mas, depois de lhe dizer quem era o meu famoso professor, ficou calado, pensativo. No fim da aula, disse-me que queria falar com a minha mãe! Estranhei. A minha mãe falou com ele e regressou ao carro com má cara. Disse-me que não ia ter mais explicação. Estás a brincar, perguntei, já tinha combinado mais aulas antes do teste! Pois, disse ela, o professor diz que não tem tempo, que não consegue, que não se pode comprometer, que, que, que... Ficámos a olhar uma para a outra. Tive vontade de chorar, de raiva, de desilusão... Os professores de Geometria devem ser todos malucos!
Já estás a ver, Francisco, como anda a minha cabeça. Acho que vou chumbar a Geometria. Para o ano tenho exame, a minha mãe já tem um novo explicador em vista, mas foi logo dizendo quem era o meu professor, para não termos mais surpresas.
Bem, não te vou enfadar mais com os meus problemas geométricos. Espero que esta má onda passe depressa!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Francisco

Tinha decidido fazer-te um retrato, lembras-te?
Pois bem, Francisco!
És moreno, pele bronzeada, olhos verdes como a água do mar, cabelos de andorinha. Dezassete anos. És alto, 1,80m. Como bom conselheiro, tens sempre uma palavra amiga, a palavra certa para cada ocasião. Dizes o que tens a dizer, sempre. Não gostas de meias-palavras nem de mentiras. Dizes que "a mentira tem perna curta" e "a verdade acima de tudo, doa a quem doer"! Tens um bonito sorriso, uma voz melodiosa, cantante. Um olhar doce. Gestos harmoniosos. Mas, quando te chega a pimenta ao nariz, viras-te do avesso. Verdade e justiça são as tuas palavras de ordem. Filho de pais separados, uma mãe mais ausente que presente, um pai meio-louco, cresceste um pouco entregue a ti e à tua avó materna. O teu irmão, mais velho três anos, estuda em Coimbra e vive num mundo à parte. O teu sonho é seguires psicologia, a tua mãe acha que estás a pensar tirar um curso com muitas vagas no desemprego. Não tens namorada, neste momento, mas já tiveste. És o meu melhor amigo, o meu conselheiro, o meu confidente. Sempre que preciso de ti, tu apareces. Ainda bem que estás aqui! Abraça-me e fala-me baixinho, diz-me que a morte não existe, que o meu avô foi para outro lugar, para um local bem melhor do que este. Um lugar onde as pessoas são boas, onde não há fome nem injustiça. Diz-me que ele encontrou amigos, que está bem e feliz, embora com saudades nossas. Diz-me que ele já não sente dores.
Amanhã é o funeral do meu avô. Eu nunca fui a um funeral. Vai comigo, leva-me pela mão, não me largues nunca. Só quero dizer-lhe adeus.

O meu avô morreu

Olá, Francisco!
Tenho andado muito ocupada e não te tenho ligado nenhuma.
Novidades? Sim, há muitas. O meu avô morreu. E eu que pensava que não ia sentir a sua falta! Mas fiquei triste, fez-me confusão vê-lo dentro do caixão, parecia adormecido, estava bonito, bem vestido, com a barba feita, o cabelo muito alinhado. Parecia que a qualquer momento se ia levantar e perguntar: Que estão todos aqui a fazer?
A minha avó envelheceu cem anos de ontem para hoje. Ela é baixinha, mas hoje está ainda mais pequenina, os olhos baços de tanto chorar, as mãos e a voz a tremer. O meu pai não chora, tem o semblante tão carregado, parece de pedra! A minha irmã ainda não sabe, a minha mãe disse que só lhe dizemos quando chegar, não quer que ela se aflija. Ela chega esta noite, vem depois das aulas. A minha tia, irmã do meu pai, chora tanto! Está com remorsos, o pai morreu zangado com ela. Agora já não podem fazer as pazes. A minha mãe soube durante uma aula, esta manhã. Quando recebeu o telefonema do meu pai, virou-se para o quadro e começou a chorar, os alunos ficaram aflitos, rodearam-na a perguntar o que tinha acontecido. Ela só conseguiu dizer-lhes que arrumassem as coisas e que saíssem. Eles deixaram tudo na sala e foram chamar a funcionária e levaram-lhe um chá.
Morreu o pai do meu pai e ele não chora! Eu também não chorei à frente de ninguém, só um bocadinho no meu quarto. Ninguém viu!
Vou para a escola, não me apetecia nada ir! Mas já sabes como é a minha mãe! Ela diz que temos de fazer a nossa vida normal, que já não podemos fazer mais nada pelo meu avô, só rezar pela sua alma. Houve logo alguém que disse: Enterram-se os mortos e cuidam-se dos vivos!
Até amanhã!